a Sobre o tempo que passa

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.9.08

11 — Manuela Ferreira Leite pode complicar, na sua opinião, a vida a José Sócrates e ao PS em 2009?

Manuela ainda não abriu o seu melão... Por mim, apenas quero saber se ela pretende ser uma espécie de “vice-rei” de Cavaco, mantendo o rotativismo deste Bloco Central, ou se quer esquecer-se que apenas entrou no PSD em 1985. Continuarei a ler os próximos artigos de Luís Filipe Menezes e as propostas de novos partidos girondino-catolaicos de Alberto João Jardim...

12 — Como avalia as reformas implantadas pelo PS nos últimos três anos? Houve, de facto, ímpeto reformista?

Quiseram reformar o sistema, continuando a confundi-lo com o regime, quando deveriam evitar esse perigoso pântano, cheio de tabus, onde muitos querem escapar para a comissão europeia, ou os onusianos apoios aos refugiados e à aliança de civilizações, para que os ausentes-presentes continuem a conspiração de avós e netos, tipo Soares, Freitas ou Adriano. Apenas os aconselho a não confundir os que defendem os modelos de radicalismo democrático, à maneira dos programas seareiros, com os inimigos da democracia que alguns ilustres socialistas vão protegendo, entre fascistas folclóricos e estalinistas não arrependidos...

13 — Na sua opinião houve mudanças estruturais ou as reformas da Saúde, Justiça, Educação e Administração Pública foram apenas mera cosmética?

Todas leram a cartilha de São Keynes, confundindo o bem comum com o estatismo...

14 — Os lóbis económicos, na sua opinião, têm minado as decisões políticas, e são um travão ao desenvolvimento económico?

Há lóbis que são lobos do homem e lóbis que não uivam. Preferia que o PS tivesse optado pelos empresários que estão contra o ritmo salazarento daquela economia mística que gosta de nacionalizar os prejuízos e privatizar os lucros...

15 — Concorda com os que dizem que o Governo de José Sócrates se tem subjugado aos interesses económicos?

Se os interesses económicos preferidos fossem os dos agentes económicos liberais, sem medo da competição, aplaudiria...

16 — O Governo reduziu o défice, porém, o desemprego aumentou, as famílias endividaram-se e a classe média asfixia. O esforço da redução do monstro valeu a pena?

O monstro visível foi alterado, mas reproduziu-se em muitos monstrozinhos ditos privatizados ou de “outsourcing” e consultadoria, especializados na engenharia do subsídio e da cunha... como o demonstra a passagem de ex-ministros para executivos das grandes companhias do estadão...

17 — A Educação, considerada um pilar do Estado de Direito, continua por refundar? O que tem falhado em Portugal na reforma do sistema educativo?

No regime pré-liberal, a função educação não cabia ao Estado, mas à Igreja, coisa que continuou no século XIX, quando a tropa criou as suas academias e a maçonaria as respectivas associações. Por outras palavras, cabia ao clero e à nobreza (nobreza funcionalmente é tropa e não fidalguia) uma função que só mais tarde foi estatizada e transformada num monopólio dos burocratas dos actuais dois ministérios educativos. Isto é, a educação começou por ser comunitária e só depois entrou no hierarquismo verticalista da administração directa do Estado. Julgo que nos falta o regresso ao comunitário, coisa que não se confunde com a ideia de lucro que anda associada, injustamente, às escolas ditas não-públicas.

18 — As universidades também estão em agonia financeira. Há, na sua opinião, um desinvestimento no Ensino Superior?

Gasta-se demais para aquilo que se produz... enquanto não repararmos que para se ultrapassar o presente confronto entre o chamado conselho de reitores e o chamado ministro, há que reduzir drasticamente o número de universidades públicas, mas mantendo e reforçando a presente desconcentração e regionalização. Isto é, importa reduzir, não o número de escolas, mas de reitores e da sociedade de corte que a eles anda associada, evitando o surgimento de mais mandarins, sob a figura directorial, com o consequente cortejo de micro-autoritarismos sub-estatais e personalizações de poder, assentes no absolutismo democrático da troca do voto pelo emprego e pela rápida subida na carreira dos aconchegados pelo situacionismo.


19 — A nova lei que dá autonomia ao Ensino Superior fica em causa com a criação das Fundações? É a privatização do Ensino Superior?

Julgo que a solução encontrada pelo ministro Gago e pelos tecnocratas que o servem devia reparar que, em vez de fundações, uma novidade na história do direito português, nascida nos finais da década de cinquenta do século passado, por causa do testamento de Calouste Gulbenkian, deveríamos refundar uma pessoa colectiva especial, a própria universidade, de acordo com o modelo do século XIII. Esta entidade que já existia antes de haver Estado, apenas deveria ser respeitada pelo mesmo Estado e deixarmo-nos de questiúnculas sobre as privadas, as públicas e as concordatárias. Basta irmos às cem maiores universidades dos “rankings” mundiais e repararmos na farpela jurídica que as veste. Julgo que o bom senso deveria ensinar que o fim público da função não exige a titularidade ministerial, a não ser para os preconceitos jacobinos, de direita e de esquerda. Ora, sem os mínimos de patriotismo científico e com tanta tradução em calão dos modelos que a OCDE quer exportar para a Coreia, não tardará que se peça o regresso do eterno pai das reformas educativas, o Professor Veiga Simão, ou um seus filhos de algo...

20 — Como avalia o sistema de Justiça?

Outra vaca sagrada, provocada pela santa aliança de constitucionalistas e de sindicatos de magistrados, agora indisciplinada pela demagogia de Marinho Pinto. Deveríamos experimentar novas soluções, desde juízes eleitos, à maneira ateniense, para pequenas causas, de maneira a aproximar o povo dos tribunais, à restauração do pretor romano, com um programa anual de sucessivas tolerâncias zero para a política criminal, à maneira holandesa. Até poderíamos ir mais longe e adoptarmos o sistema norte-americano, transformando o ministro da justiça no procurador-geral da república, para que não continuem os vários poderes a lavar as mãos como Pilatos, para que a culpa continue a morrer solteira. Por outras palavras, a justiça é assunto sério demais para não ser politizado...