Experimentem ver na televisão um desses delírios propagandísticos de palanque, tirando-lhe o som. Gravem-no. Ponham-lhe a voz de Paulo Portas, Barroso, Menezes ou Louçã. Peçam discursos enlatados a uma qualquer agência de comunicação, "soundbytes" e "slogans", as que procuram as frases das modas que passam de moda, sejam progressistas ou reaccionárias, desde que adaptadas à espuma do tempo. Pronto. Está cozinhado o "action man", o "gajo porreiro, pá", o líder de plástico insuflável pela federação de interesses das forças vivas, enquanto as polícias e os magistrados, em vez dos crimes, investigam os seus próprios meios de investigação, numa nova guerra de secos e molhados. Logo, já não temos a quem gritar o "aqui d'el rei" ou o "oh! da guarda" do nosso velho Estado de Segurança com que tentámos fugir ao esquema da vindicta privada.
Passemos para a dita autonomia da sociedade civil, e para as profundas correntes e concepções do mundo e da vida que a deveriam marcar. Tomemos o exemplo da blogosfera. Onde o nosso querido primeiro-ministro está completamente retalhado entre uns que, desde já, o condenaram às penas da Inquisição, como bode expiatório, ou inimigo de estimação, e alguns outros logo alinham no sindicato situacionista do elogio ao grande líder, pensando que mantêm o subsídio, o emprego ou a subida de carreira, depois de uma intervenção no congresso ou nas novas fronteiras, citando maridos e esposas de governantes, o presidente do INA, ou ilustres administrativistas que sabem administrar a parecerística.
Para muitos, tudo não passa de uma manobra, inventando-se o inimigo conveniente que, por comodismo, continua a ser o fantasma de sempre, entre os pedreiros livres, as forças da reacção ou as congregações, todas controladas por polvos internacionais, ao serviço do capitalismo, dos judeus, ou das sotainas do Vaticano, porque comunistas já não há. Cabem quase todos no ginásio do Casal Vistoso, onde ser produtivo é utilizar a técnica heterossexual da fornicação, para que, nove meses depois, se denuncie a infertilidade do capitalismo, dos "gays", das "lesbians" e dos "trans-sexuais", as coisas mais parecidas com duas notas de cem euros metidas dentro das trevas sufocantes de uma "valise" de cartão canelado. A não ser que se utilize a notinha para fazer deslizar um qualquer desses pozinhos de cristal, vindos do comércio justo da produção de papoila pelos esforçados camponeses do Afeganistão, explorados pelas multinacionais e as grandes irmãs petrolíferas ao serviço do Pentágono, da Wall Street e do Clube de Bilderberg.
A Joana Amaral Dias que faça queixinhas ao Mário Soares e que peça ajuda ao Balsemão e à Clara Ferreira Alves. Quem falta às sessões missais perde pontos no campeonato do poder e, pelo menos, outra tem de ser a nossa voz nas televisões, já cansadas da loira e mais dispostas a ouvir, pela enésima vez, a dulcíssima e morena Ana Drago, a cantarolar o ser de esquerda hoje, num substantivo tão fluidamente adjectivo quanto o conceito progressista de Sócrates, esse que nada tem a ver com a designação do partido mais monárquico do 4 de Outubro de 1910, o de José Luciano Corte Real, o que menos adesivos parece ter fornecido a Afonso Costa.
O Freeport já era. O que fica é a confirmação das vacas sagradas do modelo constitucional de administração da justiça em nome do povo. Onde o ministro da justiça é um mero gestor do economato que vende instalações judiciárias e compra computadores e software, desde que o ministério se perdeu no "outsourcing" da pretensa modernização administrativa, onde até foi pioneiro da manobra do PRACE, depois dos platónicos discursos dos laborinhos cavaquistas. Nem sequer consegue mobilizar consagrados cientistas do direito para as reformas, dado que quase todos eles enveredaram pela engenharia da parecerística e apenas se mostram ao povo quando há assembleias gerais da banca privatizada ou nacionalizada, deles.
Quando qualquer bom jornal, que correu atrás das parangonas, conseguiu, em poucos dias, desfazer meia dúzia de nós de um processo que permanecia no limbo, vemos como, além da lentidão, os nossos meios judiciários sobre temas quentes estão bem longe do movimento da vida e apenas operam retroactivamente, sem o sentido deontológico de um conceito prospectivo e presentístico de justiça. Por outras palavras, a ineficácia quase apela ao inevitável regresso a formas de vindicta privada, onde não faltam os tradicionais desafios perante a assembleia geral dos vizinhos, com a consequente declaração do inimigo público, o qual perde mesmo toda a esfera jurídica de protecção, nomeadamente a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença, porque já está condenado antes de ser suspeito. Apenas falta uma qualquer lei ou regulamento, do Estado central ou de um desses pequenos corpos endogâmicos por ele orçamentados, que venham a declarar inelegível um qualquer opositor, ou eventual opositor, para gáudio dos instalados. Não estamos longe dessa fase, neste manicómio em autogestão. Até poderia dar exemplos...
Prefiro hoje ver o jogo dos dragões contra as águia e a segunda parte da convenção dos bloquistas, nesse discurso de ódio ao capitalismo e ao liberalismo, onde as críticas ao mercado e à livre concorrência apenas favorecem a emergência do proteccionismo e do feudalismo, os tradicionais inimigos da liberdade. Não tarda que volte o Leviathan, tendo, numa das mãos, a espada e, na outra, o báculo, em nome da alma artificial da ideologia, porque o homem do palanque, aproveitando a onda, vai pedir que, entre dois males, escolhamos o mais suave, nesse tom de esquerda menos, onde a falta de autenticidade e de convicção, pintadas de propaganda coxa, já começam a ser insuportáveis...
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