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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.6.09

Não é um partido de raça pura, mas antes uma entidade marcada pela complexidade mestiça...


Ontem foi dia de reunião PSD. Dessa federação de militantes, grupos de interesse e grupos de pressão que talvez constitua o primeiro dos partidos do actual sistema político. Já se quis inscrever na Internacional Socialista, mas o PS não deixou. Já foi do Grupo dos Liberais e Reformistas. É actualmente do Partido Popular Europeu. Não é um partido de raça pura, mas antes uma entidade marcada pela complexidade mestiça, no que tem o melhor e o pior da respectiva natureza. Tanto aparenta ser conservador do que está, nos valores, quando transacciona convicções com o bloco tradicional católico, como assume a vestimenta reformista, para, na essência, ser fundamentalmente predador, quando se trata da conquista e manutenção do poder.


Hoje é Manuela Ferreira Leite e considera que, tal como os sindicatos estavam para o PCP, assim estão as autarquias e um governo regional para o PSD. Aguentou bem a pressão dos barões internos e contornou os caciques. Não cedeu ao eleitoralismo de uma imagem que não se cola com o seu aspecto de respeitável senhora e até não seguiu os conselhos de Marcelo Rebelo de Sousa e as provocações de Luís Filipe Menezes. Contudo, manteve alguns dos emplastros dos "jobs for the boys and girls" nas suas primeiras listas. Exagera na pose ministerialista e até se recorda muitas vezes que foi uma exclente directora-geral da contabilidade pública. Sobretudo, está dependente das transferências de expectativas que os povos depositam em Cavaco, vendo nele o verdadeiro líder da oposição.


Acresce que tem má imprensa e, às vezes, quando desce as escadas e contacta com os homens do microfone e do "zoom", saem-lhe metáforas que os adversários deglutem e glosam em insulto. Não me refiro à pensada crítica ao casamento dos homossexuais, que teve o apoio dos convictos católicos e foi ponderada, mas à colocação fora do contexto da suspensão da democracia por seis meses. Deveria ter dito governo alemão de grande coligação ou suspensão das hostilidades partidocráticas, pelo menos entre os irmãos-inimigos do bloco central. É evidente que os adversários, como os socrateiros, elevaram o texto sem contexto a críticas que foram pior emenda do que o mau soneto, mas, de qualquer maneira, a líder do PSD tem de treinar mais estas aparições palavrosas.


Precisa, sobretudo, de fazer um ataque mais frontal à corrupção, mostrando arrependimento de um partido que tem a imagem real de dar cobertura aos piores negocismos do bloco central de interesses. Como deveria ter um programa ousado de reforma do sistema partidocrático, porque ninguém vai passar um cheque em branco a uma máquina que também internamente é predadora e já tem dezenas e dezenas de ocupantes do oposicionismo, mas que são substancialmente situacionistas de memória futura reclamando contrapartidas. Eu conheço alguns que, até há pouco, fizeram as mais vergonhosas cedências ao PS, até na persiganga, juntando-se a todo um naipe de assaltantes da máquina do Estado, onde, em nome do poder pelo poder, agregaram salazarentos, estalinistas e fascistas cobardes. E desconfio que tenham reclamado o estatuto de mministeriável. Pelo menos, já reparei que algumas das suas viúvas aparecem na televisão como emplastros da vitória de Pirro de Rangel.