a Sobre o tempo que passa: A gamela do "to the victor belongs the spoils"

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.10.09

A gamela do "to the victor belongs the spoils"


O Governo de José Sócrates tem 45 dias para decidir quem vai ocupar mais de três centenas de lugares de topo na administração pública (cerca de 320 dirigentes superiores da administração pública). Segundo dados oficiais há 569 dirigentes superiores na administração central. Seguem-se 3947 lugares de intermédios. Há também 19 lugares importantes para preencher com nomes de total confiança política, entre eles o de governador do Banco de Portugal, presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários ou presidente da RAVE - Rede Ferroviária de Alta Velocidade. E se um só primeiro-ministro socratizou tantos ministros e subministros e se cada subministro pode escolher tantos sub-sub-ministros, que dizer dos sub-sub-sub e sucessivamente, face a este crescente concentracionarismo da mesa do orçamento e em regime de moral do sapateiro de Braga, segundo a qual, como não há moralidade, apenas podem comer os que não são todos.


É evidente que num país onde até os concursos públicos são com fotografia, isto é, antes de o serem já o eram, vai agora ser indisfarçável a confirmação da vigência do spoil system, segundo o qual to the victor belongs the spoils. Porque todos entendem o poder como uma coisa, passível de conquista, ou como uma posição onde, segundo Oliveira, o Salazar, o essencial do poder é procurar manter-se. Aqui, o poder continua a não ser estratégia e relação, mas uma coisa que se joga e, logo, que se ganha e que se perde. Parafraseando António Guterres, não apenas há jobs for the boys, como também abundam os boys for the jobs. Se o chefe do manda quem pode, obedece quem deve, ainda é simbolizado pelo S de um cinto, o discurso de justificação continua a proclamar que a mesma letra representa o serviço, sacrifício, porque o imolado é o mesmo de sempre, um tal de .

O rotativismo monárquico era mais austero. O chefe do governo costumava ser o antigo presidente do Crédito Predial, lugar para onde ia o dissolvido, feito chefe da oposição e nos mais recônditos lugares do reino até havia dois carteiros-funcionários que se substituíam conforme a dança do cimo: um regenerador e outro progressista. Nalguns casos até se subsidiavam mutuamente, segundo o ritmo da velha fraternidade dos subsidiados pela cunha e pela partidocracia. Aqui, nem todos comiam tudo. Ficavam uns restos para a caridadezinha dentro do sistema do spoil.


PS: O discurso é de 1832, mas de um senador nova-ioquino. Cá no reino, na mesma época, eram conhecidos como os devoristas. Eis o texto e o contexto: When they are contending for victory, they avow the intention of enjoying the fruits of it. If they are defeated, they expect to retire from office. If they are sucessful, they claim, as a matter of right the advantages of sucess. They see nothing wron in the rule, that to the victor belongs the spoils of the enemy.