a Sobre o tempo que passa: Viagens à roda da minha aldeia, no que chamamos fim de semana

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.11.09

Viagens à roda da minha aldeia, no que chamamos fim de semana


Comemorei no passado dia 30 os 35 anos da minha licenciatura em direito pela Universidade de Coimbra. E um amigo historiador me recordou uma página da História da Academia de Coimbra, de Sousa Lamy que tenho emoldurada no meu gabinete. Como a natureza das coisas não mudou, estou em via de colocar nova moldura. Trinta anos depois, os mesmos salazarentos provindos de extrema-esquerda lá se fingem moderados, disponíveis para uma cadeirita ministerial. Mas nem para secretário-de-estadão foram chamados. Por isso ainda tenho tempo para, em breve, publicar tudo, quando tal deixar de enquadrar-se no conceito de luta ou de vingança.


Leio: há 4 887 cursos superiores em Portugal (Alberto Amaral, o grão-avaliador, dixit). Não há fome que não dê em fartura. Claro que o senhor ministro só tomou posse há dias e pode lavar as mãos como Pilatos, operando novo milagre da transfiguração. Enquanto o pau vai e vem folgam as costas e ficam para sempre endividadas as gerações futuras... Nada de espantar, com esta mistura de liberalismo a retalho e de socialismo em música celestial salazarenta.


Depois do confronto entre o Conselho de Reitores e a ministerialidade, seguir-se-á a triangulação sebastiânica da suprema avaliação. Na prática, dominarão os conservadores do que está, com a culpa a morrer solteira em discursos de universitarês, reitorês, educacionês e cientifistês. Tudo filtrado pela tradução em calão de Augusto Comte, revisto por Veiga Simão e acrescentado por Roberto Carneiro.


A últimas parangonas varadas foram o que foram lá para as bandas do poder judicial. Depois, tomaram posse os secretários de Estado, na véspera do dia de todos os santos. Muitos deles, e dos prometidos adjuntos, se contiveram ao telemóvel. Até se cuidaram com os convites para almoçar. Temem os dias de fiéis defuntos e queda dos anjos. Dos que se fiam na virgem e não correm. Continua tudo em águas de godinho, está tudo varado...


Aliás, o guião desoculto dos telejornais sobre a sucata do sistema levou a muitas caras de enterro na cimeira europeia... A Europa está feliz com tanto tratado do Mar da Palha, confirmando o princípio da hierarquia das potências, onde a igualdade é tratar desigualmente o desigual, pela compra de referendos e de tratados, enquanto o pronto a vestir de certa democracia de exportação sofre pesada murraça no Afeganistão...


Vale-nos Ernâni Lopes, que pode ter muitos defeitos no seu desenvolvimentismo litoralês e benzido, mas que, de vez em quando, dá voz à revolta que têm os homens bons, vindos do mais fundo povo e torna-se sublime invocando o valor máximo de toda a política, a que desde sempre se chamou justiça. Obrigado, senhor embaixador (é o carinhoso nome que ainda lhe dão todos os putos de quem ele foi um modelo de chefe nas negociações com a CEE, como eu)!


Nisto de registos de estórias de polícias contra ladrões, convém recordar que Al Capone não foi preso por causa da "network" que encabeçava, mas pelo pequeno desleixo fiscal que a impunidade soberba em que assentava caiu. Depois é que foi a bola de neve. Parece que muitos comentaristas se esquecem do conceito de indício, registado num auto...


Basta recordar que até no mundo da universidade se faz negocismo, através da ilusória compra do poder intelectual, pelo carreirismo, pela luta de invejas e pelo jogo sujo. Se há corrupção de intelectuais, o que dizer de sucateiros, mangas de alpaca e caixas de agências bancárias?


O afrodisíaco do poder, no estado a que chegámos, começa pelo exibicionismo da cunha ao almoço, carregando no nome cimeiro que se tem no télélé. Na fase dois, o toma-lá-dá-cá do "outsourcing" clientelar. Na fase três, o sinal exterior desse neo-riquismo, esmagando o dissidente, o opositor e o incomprável, como simples mosca, em nome da impunidade da rede que até sabe umas palavras de gestão em inglês de puro manual.


O neo-feudalismo desta anarquia ordenada é muito mais do que um problema judiciário ou político, passível de reducionismos darwinistas de luta pela vida e do tem razão quem vence. Perdeu-se o mínimo ético, aquele que faz depender cada um das suas próprias normas e que sempre se chamou autonomia.


Porque, se a avó de Marcelo tivesse rodas, ele seria, não um autocarro, mas um foguetão aquático para acabar com as facções no partido e no país. Infelizmente o que está partido não é aquilo que se pretende inteiro, porque partido é parte e não é todo, parte partidinha, onde o mensageiro da unidade perdida até decidiu reduzir Manuela a mera fracção, em luta com a de Pedro. O programa não era o dos Gatos, mas esmiuçou na mesma...


Por isso, continuo a ler um romance. Um que está no "top" de todos os "ten" e que vai servir para as minhas aulitas de simbologia. Infelizmente, as coisas correram mal para a equipa capitaleira do Sporting Benfica e Lisboa, nestas viagens bem à roda da nossa aldeia, a que chamamos fim-de-semana. Deixo foto do senhor Zé do Telhado, para sempre recordarmos...