a Sobre o tempo que passa: Portugal não nos é estrangeiro. De Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.5.10

Portugal não nos é estrangeiro. De Teresa Vieira


Se a vida não fosse o tal processo de desordem permanente haveria que ter medo das pirâmides deliberadas do poder.

Mas, afinal, dentro de muitos existe um país que quer confiar nas suas possibilidades, e exige que a rigidez das ideias fixas prove, que, afinal, não receia a desordem em que a ordem se faz esperança e crê, no até então quase desconhecido risco de nos posicionarmos inequivocamente pela liberdade.

Tenhamos presente que existe na desordem a que me refiro, pelo menos dois aspectos: um aspecto de liberdade e outro de criatividade, sendo que qualquer um deles não pactua com a mentira ou com o mau ou bom teatro das hipotéticas verdades.

Afinal, liberdade e criatividade são o que faz a vida.

Ainda assim, um alerta: há que não descurar a degeneração das moléculas, incessantemente compensadas pelas que se procriam em cativeiro.

Lembro que a sociedade não é uma rocha. É antes feita de esforços recomeçados e recomeçados, num risco permanente de se não renovarem em futuro, em potencialidades de existência com garra.

E há muita doença por aí. E muita contrafacção no medicamento.

Abafam-se os verdadeiros acontecimentos de referência, principalmente aqueles que marcam pela diferença.

A justiça social, a justiça da responsabilidade, a justiça das divergências, a justiça do mérito, a justiça da respeitabilidade, entre outras justiças, constituem uma das finalidades avançadas à inversão do status quo do ponto de vista económico, político e da sociedade moral.

Sempre que chegamos a uma crise profunda de vários “itens”, existe um «antes» e um «depois» na mudança social.

E é preciso peneirar na malha fina os supostos mitos fundadores que afinal conduziram, de um modo ou de outro, ao enfraquecimento decisivo do ponto fundamental do qual nunca ninguém deveria ter abdicado. Falo até do sonho das ideias e das contradições.

Mas existe uma alavanca misteriosa na gente de bem. Nos homens e nas mulheres que excluem a atitude esquizofrénica investida em piedosos discursos.

Existe a obsessão da vida que vislumbra as possibilidades. Felizmente.

Reforcemo-la numa referência central.

Saibamos construir estratégias, onde se definem autonomias que respeitem a natureza das instituições e das ruas das capacidades individuais.

Tenhamos mais audácia nos meios, para que ocupem espaço e tempo os efeitos diferidos no futuro. Sejam eles, nomeadamente, aqueles que entendem que o fenómeno da dominação não pode constituir um acidente prolongado da história da humanidade.

O amanhã é uma questão muito vasta até na distinção entre o problema do poder e o problema do Estado.

Mas atente-se que uma sociedade não pode viver sob a violência da experimentação contínua, nem a democracia, campo por excelência vulnerável, deve aceitar círculos viciosos de supostos entendimentos.

A sociedade deve produzir interrogações, alternativas políticas, mas que se não corra o risco da Europa perder a coragem, no enfrentar dos mares no dorso do touro branco que a deslumbrou na eternidade, ainda hoje registada através da magistral pintura de Tintoretto.

Foram, de um modo ou de outro, muitos, os amadores e os profissionais do mundo global. Criaram uma equipa de reflexos comuns e essa equipa criou-se no entremeio de crises e das escolhas.

Tentaram viciar-nos a vontade. Ainda assim resistimos aos comités das verdades.

Portugal não nos é estrangeiro. Como as pátrias, será sempre e num certo sentido, uma tarefa filosófica. Mas Portugal é também um ritmo libertário, um pensamento face ao afecto, face ao Estado, pelo direito.

M. Teresa B. Vieira

9 de Maio 2010-05-09 sec. XXI