a Sobre o tempo que passa: Viva o Papa! Em memória de Frei Francisco de São Luís

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.5.10

Viva o Papa! Em memória de Frei Francisco de São Luís


Como liberal não-católico, de costela tradicionalista bem anticlerical, estou feliz com a visita de Bento XVI e reconheço que ela coroa uma época áurea nas relações entre o nosso Estado e o Vaticano...

Não fazendo parte daquilo que o Papa qualifica como povo de Deus e não podendo, portanto, ser condenado como herético, devo reconhecer que grande parte do meu laicismo coincide com o que tem sido expresso por Ratzinger e pelo papa Bento XVI.

Porque o laicismo do actual papa não anda distante do que nos foi legado por São Tomás de Aquino e Francisco Suárez e, segundo este último, a graça apenas pode aperfeiçoar a natureza. Sinto-me feliz com a circunstância da Igreja aceitar, desde 15 de Maio de 1891, "rerum novarum"...

Faz parte da essência deste papismo, o pleno diálogo entre o humanismo dito laico e o humanismo dito cristão, através da aceitação das regras do jogo do modelo demoliberal, conforme foram estabelecidas pelas revoluções atlânticas, nomeadamente a inglesa, a norte-americana e a pós-revolução francesa....

Faz parte da doutrina deste papa, a aceitação das nossas leis fundamentais do consensualismo, nomeadamente das bases da revolução portuguesa de 1820, nos termos do manifesto de Dezembro desse mesmo ano, conforme foi redigido por Frei Francisco de São Luís, o futuro Cardeal Saraiva que, não consta ter sido defenestrado pelos posteriores patriarcas...

Benvindo Bento XVI! Faço-o como herdeiro do velho legado grego-romano, sobretudo estóico, bem como do Renascimento de Damião de Góis, Erasmo ou Camões, ou do humanitarismo iluminista e liberal. Faço-o como o faria Alexandre Herculano, neste ano do seu bicentenário. Até o Vaticano, neste momento, lhe reconhece razão e talvez sementes de fé!

As entidades sucessores da eclesiástica inquisição já pediram perdão pelas secularizações abusivas da instituição, quando esta se deixou estatizar. E as punições que mantêm são meros assuntos internos contra quem vive na duplicidade. Não me afectam, até porque não sou relativista e quero lutar contra os mesmos desviacionismos de certas interpretações da modernidade.

Como português antigo e homem livre, reconheço que grande parte dos valores que ele personifica são essencialmente coincidentes com a minha concepção do mundo e da vida, mais panenteísta do que ateia ou agnóstica. Logo, se esta peregrinação pode reforçar a identidade da minha pátria e da Europa, bem como revigorar o humanismo em armilar, não posso deixar de estar feliz e de o assumir intimamente como Benvindo!

Prefiro que não voltem as nossas tradições de tensão e animosidade entre a política e a institucionalização eclesiástica, levadas a cabo tanto por um altar congreganista e intervencionista como pelo seu inverso, em legítima defesa. Tal como aquele que, depois de 1640, chegou a vislumbrar a nacionalização da secção portuguesa da Igreja Católica, à maneira anglicana, especialmente quando Roma nem seuqer nos deixou participar no Tratado de Vestefália e impediu a conversão dos chineses ao cristianismo...

Prefiro revigorar as boas regras dos pais-fundadores deste projecto europeu, onde os herdeiros da tradição laica demoliberal, os homens de Pio XII e os herdeiros do socialismo democrático se uniram em sonho, para uma Europa das pátrias e uma democracia de muitas democracias, contra os totalitarismos que nos ameaçavam e a pobreza que nos enfraquecia!

Esta semana prefiro esquecer os teóricos da conspiração catolaica de falsa sacristia, saudosa da velha teocracia regalista, que continuam a diabolizar aliados, confundindo-os com os inimigos, e ameaçando-os com penas de heresia, quando nem canonicamente aw podem desencadear, porque homens livres desses não fazem parte dos respectivos assuntos internos...