O tal olhar à nossa volta: ou o mau gosto de não nos terem em conta de gente. Por Teresa Vieira
A sociedade assume de tal modo o direito a ser enganada que o ministro indiano, na ONU, nem se apercebeu que estava a ler o discurso do nosso Ministro Luís Amado.
Como ainda acreditamos que alguns de nós se reservam o direito à indignação do trato, se acaso se nos dirigem como garotada global, parece-me importante que se diga bem alto, o quanto é grave este tremendo facto de alguém ler, durante três minutos e como seu, aquilo que nunca escreveu e que por essa razão desconhece.
Mais: pareceu-nos que o ministro indiano se mostrou apoquentado quando o assessor lhe disse que ele teria de ler de novo e do princípio, aquele que era de facto o suposto seu discurso. Quanto incómodo!!!
Ou não era seu/dele o novo discurso? Ou todos os discursos entram no bacalhau com todos assimilado mundialmente?
O grave é que o pouco que nos acontece é isto: um amontoado de inexpressivas realidades atiradas como quem atira e pensa que para quem é, o tal bacalhau, continua a bastar.
Ora, este totalitarismo irresponsável e repugnantemente ignorante com o qual a globalização nos trata, deveria ser alerta ao gravíssimo perigo da uniformização do código de barras em que se pretende tolher a liberdade.
Ainda assim, talvez as pessoas tenham sorrido condescendentes ao facto de o ministro indiano ler o que não era o seu discurso.
Ou ainda achassem muitos que afinal a ONU teve um dia diferente face a este triste espectáculo.
Pois bem, se assim se acha, achamos nós que aí residem muitos dos grandes enganos.
A ONU não teve um dia diferente com esta peripécia, teve sim, um dia igual a todos os outros. E não por culpa da ONU em si, mas antes pelo desvalor com que tratam organizações desta natureza e através dela os povos dos estados que a representam.
O que prova a teatralidade política é a ausência das convicções e dos valores e o quanto o modelo tem total apetência pelo vazio em que se move sem embargos substantivos.
Afinal o grande problema das sociedades em que vivemos continua a ser o do totalitarismo e o da liberdade.
Afinal o que se deve impor à consciência dos homens que se querem tratados com dignidade e de nela serem livres, deveria ser a repugnância inequívoca, face a quem não cuida, o quanto a sagrada liturgia da gente de bem, sofre, para que se cumpra um futuro.
Assim, um mero olhar à nossa volta expõe em que mãos se encontram os nossos objectivos.
Ou o mau gosto de não nos terem em conta de pessoas pensantes quando a democracia é conhecedora apaixonada das épocas e das gentes na legitimidade de aspirar a concretizar a sua representação.
M. Teresa B. Vieira
Domingo. Fevereiro de 2011
Sec XXI
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