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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.10.04

Rede Manitu ou os donos do poder



A recente intervenção duramente
crítica que tive para com as ideias de Veiga Simão e as muitas críticas
indirectas que fiz ao sistema de avaliação universitária e de distribuição de
subsídios ditos científicos fizeram com que a suprema autoridade da distribuição
dos recursos entrasse em transe....

Os restos da sociedade de corte provindos do salazarismo têm redobrado de actividade durante o recente modelo pedrista. Sabem que o poder em Portugal não é uma coisa que se conquiste, mas uma teia de relações de cumplicidade, quase todas discretas e algumas delas secretas. Utilizando a linguagem de Michel Foucault, podemos dizer que, naquilo que resta da autonomia universitária portuguesa, há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto. Aliás, não é por acaso, que, em certa altura, mais de três quartos dos reitores universitários inventariados tinham todos vindo do sítio onde hoje a placa diz Maputo.

Entre esses vários micropoderes feudais e patriarcais, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução, onde, para além dos controlos dos meios de comunicação social, há que salientar os gestores de conversas de salão, gabinete e conferências, desses pretensos "gurus" que, pintando-se de "mahatmas", não passam de almas policiescas, ávidas do caceteirismo expurgatório. E não há um nem dois, mas muitos mais, no Sul, no Centro e no Norte, gerando micro-autoritarismos de várias sociedades de Corte.
Por exemplo, entre alguns dos leitores mais atentos deste meu blogue estão alguns serventuários de certos donos do poder, principalmente dos que jardinizaram de forma gerontocrática o sistema de intervenção estadual na autonomia universitária. A recente intervenção duramente crítica que tive para com as ideias de Veiga Simão e as muitas críticas indirectas que fiz ao sistema de avaliação universitária e de distribuição de subsídios ditos científicos fizeram com que a suprema autoridade da distribuição dos recursos entrasse em transe.



Quando falo em recursos, estou naturalmente a seguir Robert Dahl e a entender como tal "qualquer meio pelo qual uma pessoa pode influenciar o comportamento de outra". Em sentido amplo, qualquer meio utilizado por um actor para aumentar as suas possibilidades de atingir o objectivo pretendido. Um meio de que dispõe o sistema político para transformar os "inputs", das reivindicações aos apoios, em "outputs", em decisões. E não é por acaso que os portugueses oriundos de Georgetown estão onde estão, escolhem os que escolhem, saneiam quem saneiam e são subsidiados por quem são subsidiados. E ai de quem escreveu contra a intervenção bushista no Iraque. Especialmente se for de direita.

Um dos principais donos desses recursos, uma das cabeças visíveis das teias montadas há não sei quantos governos e que mandam mais do que qualquer ministro, é exactamente o mesmo que, quando fala com gente de esquerda, me acusa de ser um importante membro do "Opus Dei" em Portugal e de ter colocado a minha esposa num alto cargo de um partido (!!!!), mas que, quando fala com gente de direita, me acusa de ser um "monstro" e um "traidor", ora referindo que sou um perigoso membro da maçonaria, ora invocando a circunstância de ter sido militante do MRPP, coisas que antes pelo contrário...



A tal fonte ordenou que eu deixasse de receber as convocatórias postais de várias associações de que faço parte e onde, por coincidência, as pessoas do secretariado das ditas funcionam junto das funções oficiais que a mesma fonte desempenha. E os muitos serventuários da mesma fonte até fizeram com que cartazes com o anúncio do meu nome em conferências públicos aparecessem riscados com contraditórios epítetos de diabolização de sinal contrário, conforme os fantasmas de esquerda ou de direita que fosse conveniente despertar. Não faltam sequer devassas à minha vida privada, com telefonemas interrogatórios junto de colaboradores meus e pressões junto de todos os que têm a coragem de continuar a ter relações visíveis e institucionais comigo. Vale mais descansá-lo: não costumo guardar fotocópia de actas e cheques e nem as coloquei no cofre-forte de qualquer banco. Há quem as tenha. Por mim, tenho tudo na memória e em escritos testemunhais. E um dia serão publicados. Para demonstração de um "case study" de psicopatia colectiva. Até já pensei em apresentar, hoje, um projecto ao Instituto de Alta Cultura do Reino do Faz Conta, mas não quero que o supremo decisor tenha que julgar em casa própria e sempre me poderia aparecer como especialista em geopolítica um ex- governador de banco, ex-colega de governo, ou como especialista em ciência política, um qualquer genro da tia que foi prima da mulher da sopeira. ESpero que o respectivo sucessor tenha mais abrangência e até compreendo que agora, antes de ter o pássaro na mão, tenha que fazer a habitual ginástica de obediência e da mímica serventuária. Até compreendo que evite encontrar-se comigo nos próximos meses. Esteja descansado, não lhe telefonarei e já o tirei provisoriamente da minha lista de "mails".

Manda quem controla difusamente a estrutura de rede ("network structure"), a relação de relações, a rede de micropoderes. Manda quem se assuma como o macrocosmos dos muitos macrocosmos. Manda quem seja capaz de gerir um campo concentrado, quem trate de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões. Manda, não quem possui a coisa, mas quem controla o processo relacional, entre os que reivindicam e os aparelhos de poder que sejam capazes de gestão dos arquivos, de fabricação das identidades e das decisões intermediárias, supremas ou executivas. Manda o efectivo dono do quadro estrutural do jogo entre forças centrífugas e centrípetas. Manda quem, tendo uma estratégia, seja capaz de globalizar várias micro-estratégias. E por cá manda muito mal. Depende da "pay list".