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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.11.04

Delírios de um plebeu mui realista



Segundo leio, algures, a santanista moção que vai ser aclamada, não sei se por unanimidade, no congresso da galaria, assume a necessidade de se "construir um tempo novo". Não sei se será o tempo patrocinado por um qualquer representante lisboeta de relógios de marca, onde o senhor primeiro-ministro costuma abastecer-se de forma tão próspera, mas sei que, se os suíços inventaram os bons relógios, outras foram as civilizações que inventaram o tempo. E, como sou seguidor tanto do tempo como do modo, tanto do que sou, como das minhas circunstâncias, porque as essências apenas se realizam na existência, prefiro as concepções judaico-cristãs do dito, até porque não gosto de invocar a mestria da visão historiograficamente progressista de Fernando Rosas, pelo que vou fingir que divago, indo, contudo ao fundo da questão, de forma bem simbólica, com certo camiliano à mistura, para afugentar as aves de rapina da bufaria.





Procurando ser fiel aos mortos que me deram quem sou e às profundas correntes de pensamento que livremente me prendem e que, há vinte e cinco séculos, me dão semente, considero-me bem mais do que contra-revolucionário ou do que reaccionário. Sinto-me, muito classicamente, um tradicionalista, daqueles que, perseguindo o regresso às origens, vão, ao passado, procurar presente, para poderem ter "saudades de futuro".


E, procurando ser fiel a meus avoengos, não posso deixar de invocar o exemplo de meu bisavô Antonho Marques, que não sabia ler nem escrever, usava, normalmente, o pé descalço e só punha tamancos quando tinha que ir à cidade, onde fazia alguns serviços de colchoeiro em "part time", que lhe compensavam as agruras da pequena lavoura. Pois esse meu bisavô foi despedido da função em 1910, porque recusou a seguir seu patrão lojista quando este lhe sugeriu que desse vivas à república. Outro de meus bisavós, ti Caldeira, planeta, ou jardineiro, chegou a serviçal da casa real, dados os respectivos dotes para a semeadura de roseiras, e sempre conservou lembranças do bom rei Carlos e daquela rainha dona Amélia, que chegou a trazer ao colo a minha avó. Contudo, outro de meus avoengos, que me transmitiu mais cultura do que aquela que me ensinaram na universidade, que já não era monárquico nem republicano, semeou-me o culto pelo António José de Almeida e deu-me um belo retrato que ainda exponho aqui no meu escritório, pelo que, me revejo e revisito nesta pluralidade de pertenças, nas muitas arcas e papéis velhos de que sou feito, onde, por acaso, não há nenhum avental.





Eis, senhores, as minhas plebeias ligações ao monarquismo e o meu respeito pelo republicanismo, fundamentos vividos que sempre me levaram a reclamar a criação de uma secção do Terceiro Estado nas associações monárquicas, onde preponderam, talvez muito justamente, os justos conservadores das arcas da fidalguia e um outro sacristão da Santa Madre, mas onde vai continuando a falhar o Zé Povinho que não ascendeu ao clero doutoral.



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Logo, o bisneto de ti Antonho e de ti Caldeira, como não pode, nem quer, renegar seus genes e sua tradição, está condenado a indicar que a única via que resta para podermos voltar a eleger um rei em Cortes, passa por assumirmos o primado da soberania popular. E confesso que a minha suprema ambição política está, não em vir a ser ministro do reino ou mordomo da casa real, mas antes em, despindo minha farpela de lente, poder ser fiel aos tamancos, ao ancinho e à foice roçadora de meus avoengos, assumindo-me como procurador do povo de meu concelho natal. Julgo já reunir o capacitário de saber ler e escrever e até posso invocar o pergaminho do letrado, apesar de não ser de Letras e de não frequentar bares do Bairro Alto e outros tascos da burguesa fidalguice do devorismo.






Não vou assim retomar caducas polémicas com gentalha que me acusou de crimes de violação de correspondência e de possui retratos em casa que não tenho e que insultou memórias de meu pai. Vou apenas notar como muitos deles gostam de cultivar a marginalidade, apenas para serem convidados a acederem à distinta posição de donos do poder intelectual do situacionismo, como se outros fossem todos "idiotas úteis" e "intelectuais orgânicos", entre o aristocretino e o bloquista de salazarentas origens, parente dos ex-ministros de Salazar que tinham casas com espanhola posta na Rua D. Pedro e que, depois, a cediam aos colegas, para assim criarem a sua cumplicidadezinha de muita promiscuidade senhorial. Só que, usando do microfone, dele vão abusando, porque tanto querem monopolizar o riso das novas noites da má-língua, como, no "Diário do Governo", procuram controlar a crítica literária, depois de falharem o domínio da análise política e de tentarem polvificar a teatrocracia, a estética, os costumes, nesse pretenso decretinismo da casta intelectuária que nos continua a querer amarfanhar com tiques de fantasmas de direita e cuspidelas de complexos de esquerda.

Nota: roubei as imagens ao Grupo Típico de Ançã. Visitem o sítio.... é lá da minha pequena pátria dos campos do Mondego, na terra de Jaime Cortesão.