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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.11.04

Burros, múmias, cadeiras e coluna



Ao fim de muitos meses, fui, ontem, obrigado a descer ao inferno da cidade, ainda sem pagar a taxa do Lopes, pela falta dos túneis que o mesmo esburacou. E assim montado em meu jerico a gasóleo, feito burro carregado de livros, voltei a estar entre outros doutores, bem assentado na sala grande daquilo a que chamaram actos, com muita vontade de expulsar os vendilhões do templo, do claustro e do capítulo. Mas, de tudo o que fui vendo, revendo, ouvindo e calando, reconcluí que:

Homem dum só parecer,
dum só rosto e d'uma só fé,
d'antes quebrar que torcer,
outra cousa pode ser
mas de corte homem não é.



Logo, ainda o sol se não tinha posto, já largava, à pressa do alívio, para o Valbom dos Gaviões, obrigando até minha Briolanja a ter de voltar para casa por outros meios que não os da minha companhia. Com efeito, em termos de placas identificadoras, pobre de mim, que, até há pouco, me dizia de direita e que sofri, em carne viva, as consequências saneadoras da vindicta esquerdista. Agora, depois de meu recente périplo pela cabeça do reino, começo sentir vergonha desse ónus qualificativo que a muitos faz virar a carroça.




E não falo apenas na direita que nos comanda no governamentalismo, nessa massa informe que vai de um D. Pedro da Santana e de um D. Paulo das Portadas, mas, sobretudo, na que diz representar tal espectro no periodismo e nas intelectualices, muito especialmente na que nos continua a vigarizar nos jogos de salão e nas cardinalices. Se ser de direita é ter de estar entre estas sumidades, prefiro a companhia dos peneireiros, dos coelhos, dos gaviões e dos asininos cá do Valbom. E nem por isso me candidato às novas fronteiras.





Com efeito, verifiquei que um direitista número um, a tal museológica figura vinda da esquerda, que pensa que todos os burros o devem continuar a considerar como o macaco mor do pensamento, só porque já garantiu, para os séculos dos séculos, a mumificação segura, continua a conspirar e a dissimular-se como as moreias. Acresce que um criatura do dito, que também se pensa especialista em todas as especialidades, só porque se senta e usurpa muitas cadeiras, donde mobiliza inúmeros macaquinhos àvidos de postos de vencimento, assegura a perpetuidade deste modelo de psicopatia militante.




Para o direitista número dois, direi que não é cadeira que faz o monge, mesmo que use o hábito do dito, porque, ainda que retire as cadeiras ao dito, ele não deixa de o ser, dado que quando a cadeira deixa de ser um símbolo e passa a ser poiso de pretenso realizador, já outros caíram da dita, especialmente quando, sentados ao sol, num forte da linha, resvalaram e estatelaram-se, fazendo cair com eles um país inteiro. Logo, as instituições não podem assim estar dependentes, de uma constipação mal-tratada, até porque os cemitérios estão mesmo cheios de pessoas insubstituíveis.


Para o direitista número três, que toda a esquerda comunicativa diz que é o único direitista inteligente que vamos tendo, acrescentarei que isso já foi dito, há muitos anos, de outros direitistas, os quais, por não passarem de fermosas promessas por cumprir, se ficaram como "entertainers" de nossos serões televisivos, sem os hábitos de Herman José, sem o êxito de Carlos Cruz e sem a sabedoria do Artur Agostinho. Ele pode continuar a ladrar, pensando que tem o monopólio da inteligência, da cultura, da literatura, da análise política e do raio que o parta, só porque é filho do papá, filho da mamã e sobrinho de todos as tias a quem lambe o rabiosque, mas a caravana passará e não será detida pela mentira, pela infâmia e pelo pidismo inquisitorial que destila o respectivo ódio.




Com efeito, todos os vertebrados mentais, incluindo os colunistas, devem apresentar uma coluna de ideias formada por uma série de pequenas de lealdades articuladas. Esses ossos, chamados de vértebras, têm então grande mobilidade, o que possibilita amplas curvaturas do corpo do animal. Isso pode ser bem observado nos movimentos das cobras e também nos seres humanos, especialmente no caso dos contorcionistas de circos, que são treinados para ampliar sua mobilidade. Ora, a eficiência de várias funções da coluna é garantida pela associação deste órgão a uma forte musculatura, presente em toda sua extensão, em diferentes vertebrados.



Veja, nas figuras, a importância da coluna vertebral em alguns animais.



Em muitos macacos, a coluna, que se estende até a cauda,
permite que esta seja usada para prender e segurar.


Nos cangurus, a coluna serve de apoio para o corpo no repouso.



Só nos jacarés é que a coluna vertebral se estende até a cauda, permitindo que ela seja usada como um eficiente instrumento de ataque e defesa. A dos homens livres é bem diversa. Pertence a quem é bípede e não é burro. A quem deve pensar, vivendo como pensa, sem pensar como vive, pensando o sentimento e sentindo o pensamento. Com entusiasmo. Com insolência. Com liberdade viva. E liberdade livre.

PS: Agradeço aos habituais pides da Internet que quando correrem para o dono a fim de lhe mostrarem as fotocópias desta coisa, para não lhe entregarem apenas simples parcelas censuradas. E expliquem aos ditos como se pode ligar um computador, o que é uma "disquette" e que um disco duro não é como a cabeça dos ditos.