a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Europa, "oui, par le non"</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.11.04

Europa, "oui, par le non"



Os jornais "Público" e "Diário de Notícias" trazem hoje breves, mas destacadas, reportagens sobre um colóquio promovido pela ATTAC, em que participei. Como sempre, focam-se os aspectos de maior agressividade caricatural, ficando, contudo, em suspenso, o essencial do que foi transmitido, coisa que, aliás, nem sequer tinha que ser referida, de acordo com o chamado critério jornalístico. Essa de eu ser "um tipo de direita" é uma expressão que usei, quando, num colóquio de gente de esquerda, que muito gentilmente me honrou com um convite, eu tive de me identificar como "um conservador que não é neo-conservador" e "um liberal que não é neo-liberal".



E depois observei que, desta feita, não estava ao lado do meu colega e amigo Guilherme d'Oliveira Martins, colega porque começámos a trabalhar profissionalmente no mesmo dia, no mesmo sítio e até na mesma mesa de madeira. Colega, porque apesar das divergências ideológicas, sempre comungámos no essencial dos mesmos valores. E amigo, porque, apesar de adversários, nunca fomos inimigos. Mas disse que, desta feita, estava do outro lado da barricada, dado que, glosando o que Duverger disse de De Gaulle, para dizermos sim à Europa, talvez tenhamos que dizer não à receita dos iluminados convencionais ("oui, par le non"), até porque muitas das propostas da delegação portuguesa foram rejeitadas pela equipa de Valéry.



E que não me viessem com a demagógica afirmação que os do "não" seriam todos "eurocépticos" e "populistas", uns façanhudos extremistas que não estão com o bem, o progresso e a justiça, traidores à Europa e inimigos de Portugal. Até porque começa a desenhar-se uma frente ampla que vai de Jorge Miranda a Eduardo Lourenço, passando por António Barreto e José Pacheco Pereira. Uma Europa que se construa a partir de um modelo feito de conformismo, marcado pelo "do mal, o menos", tem pouco a ver com o sonho dos pais-fundadores, até porque, infelizmente, continua a praticar as regras maquiavélicas daquilo que se designou como o "federalismo sem dor" e da "política furtiva", coisa que pode ter sido útil na Guerra Fria, mas que nada tem a ver com a necessidade do século XXI e com as regras da cidadania de uma Europa, que deve ser politicamente entendida como uma "democracia de muitas democracias" e não como a retomada do "despotismo iluminado". Dizer não é sobretudo assumir a política como um campo de forças simbólicas e rejeitar a paternidade constituinte de quem não é o "nós, os povos e nações da Europa". Eles, que se dizem federalistas, apenas são os confederacionistas das potências, dessa nova Santa Aliança que nos quer armar uma cilada, para citar o insuspeito Proudhon.