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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.12.04

Apoio o povo de Canas de Senhorim



Com o foral de Abril de 1196 ( D. Sancho I) confirmado pelo segundo foral de Março de 1514 ( D. Manuel I), Canas de Senhorim foi sede de município até 1852. A sua extinção nesta data não tem ainda até hoje qualquer justificação legal, porque o decreto que a promulgou nem sequer foi publicado na Folha Oficial. Porém os Canenses, aproveitaram com o desenvolvimento da sua terra e a incerteza concelhia de então a reconquista do seu município em 1866 a que a revolução da Janeirinha determinou, algum tempo depois a sua extinção.



Mas não acabaram por aqui as justas aspirações dos Canenses que firmados nas suas tradições municipalistas que conservam nas particularidades históricas que ressaltam do seu património e determinados pela sua unidade e rebeldia, encontram em si a força necessária e suficiente para alimentar a vontade inequívoca de restaurar o que só a eles pertence o seu município.



O municipalismo continua e há-de ser sempre a força dinamizadora do progresso e do desenvolvimento dos povos e a constante e determinante democratização das populações. O municipalismo dignifica o cidadão ante o direito e dinamiza-o na procura da justiça o que não sucede com qualquer outra forma de governação local.

(extracto dos fundamentos reivindincativos do Movimento para a Restauração do Concelho)


Escrevi em 6 de Julho de 1989:


Temos, de um lado, a incompreendida revolta do país rural, descendente em linha recta da Maria da Fonte e ainda mobilizável pelo tocar dos sinos a rebate na torre da paróquia; temos, do outro, país urbano, conservadoramente burguês, muito catedrático ou muito engenheiral, com restos de marqueses e muitas festas "jet set", que costuma ditar, através das leis e dos jornais, os caminhos da modernidade e das reformas, emocionando-se com o povo, através de algumas visitas às barracas ou à Feira do Relógio.

É, no fundo, o reflexo da nossa secular antinomia entre a cidade e as serras, particularmente sentida no conflito entre miguelistas e pedristas, impropriamente designados como absolutistas e liberais pela historiografia dos vencedores, mas que, desde sempre, tem marcado os diversos regimes políticos portugueses.

Se o país urbano e burguês ganhou a referida guerra civil de 1828-1834, venceu a Maria da Fonte, com o recurso a tropas estrangeiras, implantou a República, conquistando Lisboa e transmitindo o facto à província através do telégrafo, e comandou o PREC de 1974-1975, também é verdade que, de vez em quando, o país rural costuma estragar o esquema e impulsionar algumas alterações estruturais no tal processo. Noutras ocasiões , ficamos pela simples revolta individual de alguns cidadãos que, cansados da vida, decidem partir para os mais variados Vales de Lobos, não pactuando com a hipocrisia institucionalizada nem cedendo à frustração.

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Esse tal país das freguesias, com a pele tisnada pelo sol-a-sol, as mãos calejadas de envernizar enxadas e as mulheres de vestes negras, que não frequentam nem as "Olás" nem as capelinhas recentemente inventariadas pelo "Independente", continua a dizer que não entende os homens das leis abstractas, mesmo que catedráticos do Entre-Campos, os doutos engenheiros dos regulamentos técnicos e das vistorias bem como os zelosos burocratas autores dos formulários dos impostos ou dos empréstimos bancários, isto é, os clásicos pedestais daquilo que Oliveira Martins considerava a mentalidade banco-burocrática.

Um simples regulamento sanitário, por exemplo, foi o pretexto para a Maria da Fonte e essa estranha aliança entre os restos das guerrilhas miguelistas e os esquerdistas do setembrismo. Do mesmo modo, uma nova directiva sobre taxas e impostos pôs Coimbra sob lei marcial, já neste século, durante a chamada da Revolta do Grelo.

Em Barqueiros, concelho de Barcelos, neste começo do Verão de 1989, o tal Portugal do Remexido e da Patuleia demonstrou que não pertence apenas aos livros da história. Os que ousaram olhar a morte de frente , desobedecendo a um regulamento técnico sobre am a exploração de caulinos, e defendendo, com rebeldia, uma certa concepção de vida local, transformaram o Portugal Velho num Portugal redivivo.

Permanece, com efeito, um certo Portugal disposto à revolta contra todos os que, em nome de tais leis abstractas e de tais regulamentos técnicos, querem violentar a efectiva vontade popular dessas pequenas repúblicas que são as nossas freguesias rurais.

Foi esse Portugal profundo que em 1975 deu conteúdo popular à resistência anticomunista, cortando as estradas em Rio Maior e na Batalha e elegendo como condestáveis Bispos e Arcebispos, no Centro e no Norte, quando, em Lisboa, muitos políticos da direita urbana se preparavam para partir para o Brasil ou tentavam conversar com os novos senhores nos bares da revolução ou nos corredores dos ministérios.

Se a direita que temos não entender este renascido movimento das "pátrias chicas" e se iludir apenas com os jogos do poder, os factos políticos e os populismos clubistas, mesmo que ganhe eleições na destribalizada Lisboa, está a convidar a esquerda politico-partidária a assumir o que ainda resta de povo com valores e que talvez ainda seja a maioria do eleitorado.