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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.12.04

A falta que Marcelo nos faz...



Estamos em condições de desvendar um dos principais segredos dos bastidores da presente crise política: Mourinho encontrou-se secretamente com Pedro Santana Lopes na Figueira da Foz, na noite do encontro do F. C. Porto com o Chelsea, tendo-lhe fornecido alguns dos segredos tácticos com que o líder do PSD nos tem maravilhado. Acontece que um dos seguranças do nosso primeiro conseguiu recolher a lousa onde foram escritos os esquemas da maior cabeça da Europa em marketing político, pelo que vamos reproduzir os modelos concebidos pelo empregado de Abrahmovitch.



Quem pensa que Santana Lopes é um imprevisível e que, nesta crise, fez o habitual casa, descasa, agarra, leva, bate e foge, num corridinho de instabilidade, engana-se redondamente. Em primeiro lugar, o defesa-direito mandou uma fuga de informação para o "Expresso" dizendo que ia haver coligação. Logo em seguida, o defesa-esquerdo mandou outra fuga de informação para a TVI, dizendo que PSD, afinal, ia separado. Por seu lado, o médio-central decidiu atacar Sampaio, enquanto o extremo-direito logo declarou que o PSD não tinha o presidente como adversário. Quem pensa que se trata de um espectáculo de política pimba, engana-se. É tudo cientificamente fundado e com base em sondagens fornecidas pela Gallup e pela Galp.



Quem julga que houve qualquer espécie de reviravolta, é tolo. Pedro não é um misto de Zandinga com Gabriel Alves, como dizia Durão. Ele sabe, como ninguém, lidar com presidentes especialistas em RGAs e até sabe usar cadeiras de forma eficaz. Com a ajuda de alguns especialistas do Pentágono, desembarcados secretamente na base de Beja, as posturas do CDS e do PSD foram amplamente escalpelizadas. Se forem em separado sem se atacarem, ganharão mais do que irem juntos ao fundo. Com a separação da união de facto, o CDS vai apanhar votos mais à direita e o PSD rapar adesões mais à esquerda, para o PPM atacar a fundura dos séculos e os "missões Portugal" assumirem o futuro. E como um mais um podem ser três, vale a pena dizer a meio da tarde o que se desmentirá ao fim da noite, para, de madrugada, tudo, de novo, ficar em aberto.



Assim, depois da bomba atómica presidencial, Pedro logo se decidiu pela Intifada. "Vou dizer que me vou demitir e que não vou abandonar, vou dizer que quero ficar em gestão, porque ninguém repara que sou mesmo obrigado a ficar em gestão". E sempre é melhor dizer isto, não vá alguém propor que se extinga o governo de vez. Porque sempre seria melhor fazermos como o governo determinou para a venda de centenas de imóveis que servem de sede a serviços públicos, a fim de, depois, o Estado passar a arrendatário dos senhorios privados e eventualmente estrangeiros que os adquirirem. Assim, esta notável operação de engenharia financeira, visando disfarçar o défice, pode servir de exemplo para a reforma global do Estado.

Porque, depois de transformarmos Portugal numa sociedade anónima de responsabilidade limitada, sempre a poderemos vender, por bom e patriótico preço, a um qualquer fundo de pensões multinacional. E os novos senhorios sempre poderão cumprir o nosso desígnio, pondo a concurso público internacional a gestão deste quintal à beira-mar plantado, para acabar de vez com os partidos. Assim, sempre poderiam surgir ministros mais competentes, feitos administradores-delegados da Hispania Occidentalis, SAD, com o eventual mecenato de uma qualquer fundação de olhos em bico. Em seguida, exportaríamos contratualmente esta raça de ingovernáveis, com subsídios de reintegração dos minoritários portugueses à solta em qualquer país dos trópicos.



Voltando às realidades não virtuais, desta criação artificial de dramatismo e vitimização, apenas temos que notar como foi flagrante a irresponsabilidade de Durão Barroso e como foi triste a negligência de Sampaio. Porque, apesar de tudo, os portugueses não mereciam este regresso ao populismo prequiano, como irá certamente ser analisado por um destes dias na teatral conferência sobre o futuro da democracia que mobilizará Vasco Lourenço, Adriano Moreira e Joana Amaral Dias, para onde, infelizmente, não foram convidados os distintos constitucionalistas que costumam iluminar estas penumbras e buracos negros das regras do jogo que eles próprios criaram, sem que previssem o imprevisível, este normal anormal das circunstâncias sem os "eus" do bom-senso.