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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.12.04

A simples causa de uma crise complexa



Para os devidos efeitos se declara, aqui e agora, que a profunda, e real, causa da presente crise política vai além das pessoas dos políticos, das estruturas dos partidos, do vazio da sociedade civil ou da falta de sentido dos aparelhos de Estado. A crise não é apenas do Estado e da Sociedade. A crise resulta dos indivíduos. Da falta da ciência dos actos dos homens enquanto indivíduos: a ética. Do vazio de autonomias individuais. Porque cada um deixou de ter regras geradas por ele mesmo, a cidade também deixou de ter norte. Só haverá ordem real quando cada um conseguir estar de acordo consigo mesmo, ainda que esteja em desacordo com todos os outros. Não é por haver só doentes no mundo que a saúde deixa de ser um bem.



Harold Laski, referia que o problema central da política é o problema da autoridade e da liberdade, a tensão entre a soberania do Estado e a obrigação moral de resistir, porque o poder somente é válido quando recebe, daqueles que lhe estão sujeitos, a sua livre anuência à autoridade que procura exercer.



Da mesma forma. Alain salientava que o cerne da política estava na relação entre a resistência e a obediência: o cidadão pela obediência assegura a ordem; pela resistência assegura a liberdade, dois termos que não seriam opostos, mas sim correlativos, porque não há liberdade sem ordem e a ordem de nada vale sem liberdade, pelo que haveria que obedecer resistindo , porque um homem livre contra um tirano, tal é a célula da política , isto é, obedecer em corpo; jamais obedecer em espírito; ceder absolutamente e, ao mesmo tempo, resistir absolutamente .



Na mesma linha, Robert Dahl, considera que o dilema da democracia pluralista e o dilema geral da vida política está na relação entre a autonomia ou independência das pessoas e dos grupos e o controlo .



Muito aristotelicamente, diremos que só quando voltarmos à ética, entendida como a ciência dos actos do homem como indivíduo, é que poderemos salvar a economia, como a ciência dos actos do homem enquanto membro da casa (oikos), e regenerarmos a política, vista como a ciência dos actos do homem enquanto membro da polis. Ganhe o PS ou o PSD, coligue-se o CDS, o PP, o PND, o BE ou PCP, tudo continuará como dantes se não começarmos pelos princípios. No princípio tem que voltar a estar o fim. A democracia não é um jogo. É uma religião secular.