Das testemunhas de ouvir dizer. Recebido de A.A.
A nós, aos anónimos sem importância, ninguém nos liga. Podemos ser muitos a dizer que ouvimos falar com seriedade de um governo de iniciativa presidencial em vez da constituição de um governo de iniciativa empresarial. Mas ninguém nos dá crédito.
Já viram isto? Somos tantos os que escutámos esta hipótese com sendo a que se impunha neste momento ao nosso país. Estivemos tão atentos a quem sabe de leis, de economia, de respeito, de responsabilidade, do aplicar das decisões correctas depois dos diagnósticos feitos por quem sabe o que nós não sabemos, mas ainda assim os escutámos porque achámos, na nossa ignorância, que esta hipótese era credível e, agora somos tratados como se tratam nos Tribunais as testemunhas de ouvir dizer.
Somos por mérito de termos estado atentos a quem mais conhece a realidade, punidos por essa exacta razão. Somos tão só as testemunhas de ouvir dizer.
Somos os que aderimos ao vício perverso de acreditar que para grandes males grandes remédios e, ainda assim, agora chamam-nos de genéricos na gíria de quem não nos quer ouvir porque afinal só somos as testemunhas de ouvir dizer.
Acresce que se dissermos que Baudelaire afirmou que, o belo quadro que resta pintar para que a humanidade o veja e mude o rumo à História é, justamente o quadro da corja dos carrascos das ideias.
E, vejam bem, toda a gente sabe que Baudelaire disse isto, mas de nada vale repetirmos porque seremos sempre os não credíveis que se embrulham no mesmo saco das testemunhas de ouvir dizer que Baudelaire disse isto…
Então como é que é? O Baudelaire não está vivo e por isso não se deve respeitar quem o tenha assimilado e citado?
Não, nem se podem citar os Clássicos do grande Saber que nos antecederam, sempre seremos os tais das testemunhas de ouvir dizer coisas ainda que escritas, porque a partir do momento em que se verbalizam em nós, mais diminui o crédito.
Por exemplo, eu ouvi dizer que no TEMPOQUEPASSA estava escrito um hino à nossa Pátria, melhor me explico, à urgência da nossa Pátria. Ouvi dizer que era um poema de estremecer o sangue, e agora? Não poderei dizer isto a ninguém porque sou uma testemunha de ouvir dizer e o tal poeta não existe porque eu não o vi a escrever o poema que emudeceu tantas almas?
Se é assim, invoco um qualquer tempo de antena em que alguém me explique a inutilidade e a razão pela qual, a valoração da testemunha outiva, ou de ouvir dizer ou, testis de auditiu não pode ser credível, enquanto que as testemunhas que são chamadas a narrar as suas percepções sobre factos que interessam a um julgamento, e ainda que mintam até ao despudor contribuem à produção da prova do que nunca existiu.
Ora, francamente, sejam claros de uma vez por todas ou deixem-nos em paz , pelo menos num fogacho de tempo.
Nós até sabemos que somos sempre os mesmos infinitamente em risco, os últimos mamutes cujas marcas a neve ocultará por muitos e bons anos à melhor saúde dos pigmeus pensantes de hoje.
Pois eu quero ser hoje a testemunha de ouvir dizer que se assina
A.A.
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