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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.1.05

A amargura que invade a nossa democracia



Participei mais uma vez como convidado no "forum" da TSF, desta vez coordenado por Manuel Acácio. Era sobre os pára-queditas na política, nesta mobilizadora procura de um lugar na lista, depois de Pôncio Monteiro entrar e sair, depois de Paulo Pedroso ainda não saber se sai ou entra, porque o macropoder em Portugal depende da fragilidade dos nossos micropoderes, onde é extremamente sensível a engenharia da fabricação de tais listas de deputados.

Reconheci, em primeiro lugar, que vivemos em amargura e desencanto face à política. Porque depois da geração revolucionária, plena de entusiasmos ideológicos e de certa qualidade da classe política pós-revolucionária chegou este banho de realidade. Um país de fracos recursos qualitativos, onde a classe política que se mobiliza reflecte a nossa pobreza humana e intelectual.



Em segundo lugar, a falta de análise pluralista à nossa classe política. O reconhecimento da existência de grupos de interesse e de grupos de pressão. O não enfrentarmos questões como as da corrupção, ou compra de poder, do financiamento partidário e da "pantoufflage". O não querermos reconhecer a política como rede, onde manda quem melhor consegue federar a dita. Onde são fundamentais os caciques, entre os quais os herdeiros dos caciques da I República, de José Jacinto Nunes a José Relvas, e do próprio Estado Novo, à semelhança de Bissaya Barreto. A que agora acrescem os tipos da futebolítica, ou os empresários do negocismo ou do investimento estrangeiro.

Porque continuamos o regime do neofeudalismo nesta anarquia ordenada. Porque a política, tendo como objectivo levar o outro a obedecer, vive entre os extremos da persuasão e da violência, havendo espaço para a cenoura da recompensa e para o chicote da força, bem como a larga planura da influência. Porque as pressões podem ser abertas e ocultas. Porque há clientelismo, nepotismo e até generosidade.



E repeti algumas das ideias de Mancur Olson e da sua lógica da acção colectiva. Que o homem é um indivíduo razoável e calculista que raramente actua pelo bem comum, mas, sobertudo, de forma proporcional à recompensa que espera. Que só nos pequenos grupos, das confrarias às seitas, especialmente nos partidos entendidos como ordens religioso-militares, é que o bem comum domina. No resto é o regime dos vícios privados, virtudes públicas, onde convém, contudo que ninguém use o slogan do "roubo, mas faço".

Consegui trasnmitir grande parte deste meu guião mental, chamando a atenção para o facto de nos continuar a faltar uma teoria pluralista da democracia e uma falta de conhecimento da nossa própria história de quase duzentos anos de eleições, desde as listas fabricadas pelo embaixador britânico nos primeiros tempos do liberalismo monárquico às posteriores influências das maçonarias ou das sacristias. Defendi também uma reforma do sistema político que não seja feita de dentro para fora, porque se eu pudesse influenciar reduzia o parlamento nacional à meia centena dos deputados de grande qualidade que costumam ser indicados pelas direcções centrais dos partidos, atirando as segundas e terceiras filas para parlamentos regionais. Até recordei como os partidos têm cumprido aquele preceito original da constituição que determinava a extinção do distrito, impulsionado logo a seguir a 1834 por Rodrigo da Fonseca, o tal raposa. Por outras palavras, como a principal recompensa da participação política é um lugar na lista, todos os grandes partidos se organizam em termos de círculos eleitorais....