Por uma razão de sentido. De M. Teresa Bracinha Vieira
O permitir do surgimento da razão da alegria, sem a qual também se esvazia a liberdade, é uma forma de estar iniciante e aliciante, e é através dela que melhor podemos compreender tanto o direito como os limites do mundo objectivo.
Restituir à alegria o seu espaço em nós, é também atribuir à subjectividade a sua inerência histórica, no encontrar de fenómenos através dos quais primeiramente o outro, que reside no universo do pensamento de cada um, pode assumir em plenitude, o lugar nascente acessível a cada ser, que se não deixa dominar, no excesso, pelo caos de uma tristeza ainda que fundada de múltiplas razões para que exista.
Deixar surgir a alegria que se pode vislumbrar nos principais detalhes da vida de cada um, é, em larga medida, permitir ao olhar filosófico que ele procure ser aquilo que não pode ver.
Há que fazer a crítica à interioridade, se ela em absoluto ignora, que só um todo munido de completos e diferentes e antagónicos sentires, pode identificar a luta por uma razão de sentido.
Nada é mais difícil do que saber ao certo em que realidades o mundo das percepções se pode dissimular. Esta dissimulação representa, ainda assim, uma protecção ao berço das coisas, ao ninho último que se não quer ver invadido, aniquilado, por uma consciência que de empréstimo em empréstimo se estruturou na experiência vivida e dentro desta criando-lhe um único modelo.
Imagem escolhida por Isabel Coelho
O perigo, um dos reais perigos, reside na desfocagem dos nossos elementos de alerta que, quando esmorecidos, permitem que o horizonte se matize num único mote como uma verdade dominante, e seja esta, que em nós alente a tristeza com o tiranete poder de desocupar a alegria qualitativa, aquela que pode correr o risco de em nós residir demasiado ilhada.
É certo que ao que foi dito se opõe uma dificuldade de princípio: a lei aparente que bloqueia uma fenomenologia transcendental.
Sem dúvida que, muitas vezes, a estrutura do percebido não é mais do que o objectivado de acontecimentos que, de tão racionalizados se tornam infelizes casos de cegueira à percepção que reúne a concordância e a discordância de sensações dispersas, armas de realce, a um modelo que desdobra o exterior em interior, convocando as razões preexistentes ao iluminar daquelas que quase se visualizam e, no sentido Kantiano, tornam possível um mundo que realiza um certo estado de equilíbrio, em que a aparição do mundo não é o mesmo que a condição de uma possibilidade.
O permitir do surgimento da razão da alegria não é mais do que conceder à razão o carácter da sua facticidade plena.
Acreditamos que, também por esta via, e por esta ordem de motivos, em nós se pode radicar o local de uma consciência constituinte do universal e, permita ela que a reflexão só por si, conserve os traços de uma alegria que compreenda verdadeiramente o homem e o realize na pluralidade de ideias que o saber exige, enquanto filho de uma alegria tão poderosa que, nunca os dias de frondosas neblinas, permitirão que se esqueça o modo de perceber o Sol; de o ver deitar-se e levantar-se, de entender o precedente da História e da convicção presente e actualíssima à realidade de cada Ser.
Se se conceber que o pensamento do filósofo não está submetido a nenhuma situação, por uma razão de sentido, a Unidade do imenso pensar, nunca excluirá a alegria como um Valor que à nossa existência acresce, a parte, que em parte alguma encontraremos noutro ponto central, numa outra extremidade tão segura que, de imediato, nos esclarece o quanto o nosso ser se não reduz ao nosso saber.
Daqui o nosso apelo aos múltiplos sistemas de reflexão ao mundo diante de nós: à alegria do percebido, tão só na sua singularidade; tão só seguro no movimento do que é móbil em seu trajecto.
M. Teresa Bracinha Vieira
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