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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.1.05

Trapos, trapalhada, trapalhões e atrapalhados

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O velho Soares, sem entrar em literárias almoçaradas de campanha, acaba por marcar a campanha, ao declarar à revista brasileira Veja que "o poder económico contagiou a política. Os crimes de colarinho branco e o tráfico de influência aumentaram". Contudo, o friso dos antiquados políticos que nos resta, onde devemos olhar para o que fazem os respectivos dedos, continua a atrapalhar-nos com as respectivas trapalhadas.

Uns dizem que não aceitam picadelas, outros que usam repelente, terceiros pedem para não os provocarem, quartos visitam o povo dos bombeiros, dos bombos e dos ranchinhos folclóricos, mas sem que se veja o povo, enquanto fazem comixiozinhos, onde há mais bandeiras do que militantes. Porque há 300 000 idosos pobres e 36 000 pessoas que morrem por ano por razões facilmente evitáveis (DN). Mas os campanheiros tanto procuram ser dois para um futuro governo uno, da presente coligação, como invocam ser o terceiro partido de governo, num novo mistério da laicíssima trindade, onde há pai e primo, mas falta o espírito santo, não vá o diabo tecê-las.

Trapalhada é, de facto, uma qualificação equívoca para o presente estado de coisas. Pode ser o mesmo que barafunda ou confusão. Pode insinuar que estamos perante trapalhões e trapalhices, quando não diante de trapaças e trapaceiros. E porque velhos são os trapos, sabemos que há trapeiras, que são armadilhas para a caça, e trapas, que ora são covas apropriadas para a captura de feras, ora são cabos, ou correntes, que, em linguagem de marinharia, se passam num objecto pendente a fim de impedir que o mesmo balance.

Julgo que estamos é todos atrapalhados, isto é, confundidos, perturbados, embaraçados, tal como o presidente Sampaio que ficou de olhos em bico, quando os rapazes do sindicato dos produtores de trapos, indignados com o acordo Multitrapos, denunciaram a circunstância dos nossos principais fabricantes de traparia querem delocalizar-se na China, deixando a Pousada de Saramagos e outras nossas terras atrapalhadas com o desemprego.

Vale-me que já antes lera o José Mateus em Claro, onde, profeticamente, se denunciava: "na senda de uma tradição salazarenta, que teima em manter-se viva, as visitas de estado à China são uma coisa para rir. E só não desata tudo à gargalhada porque, pela banda chinesa, há sempre muita cortesia e boa-educação, enquanto deste nosso lado, como a coisa se passa longe, ninguém tem bem a noção do ridículo da coisa. Sampaio, ele mesmo, faz o que pode - e quem faz o que pode a mais não é obrigado...".