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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.2.05

Amanhando a terra das ideias



Tenho andado fora de certo mundo, mas bem dentro do mundo, em beneditinos trabalhos de revisão de um longo texto, participações em júris universitários e com intensos contactos com a gente simples de um povo que continua mudo, por dever de campanheiro que não entra no "agenda setting", dos que acham que as eleições, antes de o serem já o eram. Sinto, sobretudo, a crescente diferença que vai do espaço sideral do pensamento a estas modas comunicacionais que passam de moda. Sinto também o choque das perspectivas liberais com o lastro reaccionário, onde a velha espiral xenófoba entra em crescendo, expulsando e denunciando todos quantos defendem outros estilos e outras posturas. Sinto que devo continuar a cumprir o meu dever e nunca desistir desse belo programa de vida colectiva que é procurar casar a honra com a inteligência, mesmo que fique de mal com el-rei por amor dos homens e de mal com os homens por amor de el-rei. Quem queira ser de antes quebrar do que torcer, homem da Corte não pode ser, como nos ensinou mestre Sá de Miranda.

Valem-nos dos belos dias de sol, diante do mar, os longos azuis fluidos que nos dão viagem, enquanto vamos sorvendo o privilégio de vivermos à beira da corrente do Golfo... Aqui há gaivotas e pombas que nos dão alegria, fazendo olvidar os carros de campanha que vão poluindo os dias. Porque quem apresenta, para a liderança da pátria, figuras como Santana, Sócrates, Louçã ou Portas, acaba por declarar que estamos definitivamente reduzidos às tristes e apagadas figuras da segunda divisão da história. Desses que até nem têm a vergonha de instrumentalizarem mortes de figuras que vão além da morte....

Alguns deles terão lugar marcado no banco dos réus dos devoristas e trapaceiros, dos poderosos que, pela demagogia, usurparam a palavra, gastando-a pelo uso e prostituindo-a pelo abuso. E, assim sentados no dogmatismo confessional ou ideológico, continuam a agravar a doença da falta de autenticidade do presente momento político.



Um deles até reivindica o símbolo de um pretenso partido das classes médias, eufemismo com que pretende disfarçar a sua opção pelos ricos, procurando truques prestidigitadores para o povo, em viagens quase clandestinas pela província, onde se mostra no aquário das tendas plastificadas pelos publicitários, pagas a peso de financiamentos, visíveis e invisíveis, mas que vieram todos dos nossos bolsos. Entusiasma-se com as manifestações de massas dessas classes pretensamente altas, com as insultuosas manifestações estéticas de tal ilusório "jet set" que sempre desprezou o povão de extracção rural. Eles não sabem o que é uma rega em noite de luar, nunca deram nome de gente aos animais de criação e nem sequer conhecem a alma das árvores ou o cheiro dos torrões da terra-mãe.

À esquerda e à direita, há gente pretensamente fina, pretensamente elitista, essa mesma gente que sempre pensou estar do lado certo da história dos vencedores, entre a Senhora de Fátima, com touradas e cavalos de alta escola, e São Trotski, com requintadas roupas importadas, apenas esperando os aplausos de um povoléu que os vai saudar na estrada, à espera dos brindes de campanha. Ambos fazem parte de um restrito clube, com reservado direito de admissão a ricaços e finórios, ou a pretensos intelectuais da revolução frustrada. Entre o reaccionário e o revolucionário, venha o Diabo e escolha. Prefiro continuar a amanhar a terra das ideias. Hoje, não, amanhã será!