Voando sobre as nuvens da ilusão...
Desde a visita de Sua Santidade o papa Paulo VI, que a pista de Monte Real não tinha assistido a uma chegada aérea como a de ontem, quando o nosso Primeiro-Ministro, aterrou de "Falcon", vindo da longínqua Lisboa e mobilizando uma ilustre comitiva de ministros como José Luís Arnaut (Cidades), António Mexia (Obras Públicas, Transportes e Comunicações), Maria da Graça Carvalho (Ciência), e Rui Gomes da Silva (adjunto do primeiro-ministro), além dos secretários de Estado Jorge Costa e Jorge Neto, todos, aliás, do PSD. Vieram protocolar para a fotografia e o discurso, naquilo que podemos qualificar como comício de Estado, fazendo, das forças armadas, aéreas, o que Portas tem feito, das forças armadas, marítimas, isto é, um espaço para lúdica passagem de modelos eleitorais.
Só que, como tudo é época de Carnaval, pode acontecer-lhes que se faça uma análise equivalente à que agora começa a incidir sobre os estaleiros, dado que quando o ministro da defesa propagandeou a redução do desemprego que provocou com as encomendas feitas aos de Viana do Castelo, não reparou numa dezena de outros que não foram privilegiados para essa colocação num tempo de antena e que agora começam a lançar sinais de alerta. Porque quando se puxa o cobertor da tutela estadual para o Norte, destapam-se os braços do Centro e as pernas do Sul. Julgamos apenas que todo este propagandismo reflecte pouco sentido de Estado. É indecente que se instrumentalize o espaço da defesa nacional para fins eleitorais.
Para alguns mais maquiavélicos, tudo se explica com uma notícia hoje publicada no jornal "Público": o ex-primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva aposta numa maioria absoluta do PS nas legislativas de dia 20 e considera que esse é o melhor cenário para o lançamento da sua candidatuta à Presidência da República. Cavaco está mesmo convencido de que esse cenário se vai concretizar e tem manifestado essa opinião em reuniões sociais em que tem participado e nas quais se tem encontrado com figuras do PSD, sobretudo críticos da actual liderança de Pedro Santana Lopes.
Cansam estes políticos que não são quem dizem ser. Tenho, contudo, a certeza que a inversão das expectativas pela via da propaganda pode levar a que se abram as portas da revolta e até da violência, afastando a democracia de todos aqueles que não cabem nos autocarros mobilizadores de massas populares para os comícios, onde o populismo futeboleiro, controlado por claques de jotas, pode conduzir ao estiolamento da vontade geral. Entre o indiferentismo e a demagogiam o nosso regime, assim algemado pelo delírio demagógico da teledemocracia pode enredar-se na impotência da República de Weimar, onde as ilusões sul-mericanizantes, sem fundura de convicções, nos podem lançar no desespero.
Este estilo patriotorreca constitui um verdadeiro perigo para a necessária qualificação do regime democrático, em termos de participação cidadânica. Qualquer democrata exigente começa a sentir em certas palavras televisivamente transmitidas em directo um modelo que, apesar de ter eficácia populista, revela profundo mau-gosto. Tenho esperança que todas estas manifestações de fanfarronismo não passem de uma espécie de canto do cisne e que acabe por emergir o bom-senso.
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