A questão político-religiosa do novo Leviathan
A Igreja Católica portuguesa entrou em força na campanha eleitoral. E é sempre um risco que o báculo se alie à espada, especialmente quando o poder secular se teocratiza. Depois do Cardeal-Patriarca de Lisboa vir soprar as cinzas que recobriam as terríveis brasas da questão político-religiosa, numa diatribe antimaçónica, chegou a vez de um pároco de Lisboa, em homília transmitida numa estação pública de rádio, emitir, em vulgata propagandística, o hermético doutrinário reflectido em notável texto pela Conferência Episcopal, o que logo levou um porta-voz do CDS, cabeça de lista pelo Porto, a declarar que "não deve merecer qualquer perplexidade que a Igreja se reveja mais na posição do CDS".
Procurando corrigir o tiro , o Patriarcado de Lisboa, numa posição digna de Pilatos, veio tentar lavar as mãos, ao considerar que "a ninguém é permitido invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja". Amen.
Será que outro qualquer ministro do culto pode vir dizer que os políticos formados na Universidade Católica são superiores aos formados em escolas do laicismo público? Será que poderemos atingir o ridículo de se prometerem meios de comunicação social à maneira do "Jornal da Madeira", onde bons governos de gente católica, façam uma sociedade com as dioceses, para a difusão dos bons princípios?
Julgo que nem António de Oliveira Salazar, nem Manuel Gonçalves Cerejeira alguma vez caíram neste ridículo. E não foi assim que Luigi Sturzo gerou o Partido Popular Italiano, nessa tentativa, conseguida, de um partido democrata-cristã laico e apenas cristãmente inspirado.Salazar até sempre teve Bissaya Barreto como aliado.
O mesmo devoto político do CDS e da Compal, Pires de Lima foi explícito: "no passado tem havido uma grande cumplicidade entre altas figuras da Igreja e membros do Partido Socialista - por exemplo o engenheiro Guterres". E Portas, o devoto estudante da católica, cuja vida é um exemplo de virtudes cristãs, especialmente no uso do cilício, bem gostaria de repetir as sábias palavras de João César das Neves: "o que separa hoje as pessoas não é já o regime político, sistema económico ou estrutura social. A verdadeira luta doutrinal trava-se na definição da família e do direito à vida. A contestação de valores seculares situa-se agora nos elementos mais nucleares da humanidade. Antes era a cor da pele que definia os direitos humanos; hoje a vida do embrião depende de ser ou não desejado pela mãe. Antigamente a família onde se nascia marcava para sempre a sorte; hoje quer-se que a família seja fixada pelos caprichos sexuais mais variados".
O problema talvez esteja na circunstância de não poder usar-se o maquiavelismo do Estado-Espectáculo, onde os fins parecem justificar os meios, neste processo politiqueiro onde a mentira e a falta de autenticidade podem reduzir o púlpito a um palanque de comício, um templo a uma tenda de campanha e a voz de uma homília a um megafone que apela a estômagos confortados pelo comes-e-bebes.
O universo de valores assumido pela Igreja Católica quanto à defesa do direito à vida e à procriação é comungado por muitos outros homens de boa vontade. Porque há idêntico humanismo noutras religiões e em certos laicismos. Os católicos não têm o monopólio das virtudes nem inventaram a moral. Aliás, muito do humanismo que justamente proclamam tem raízes bem mais longínquas, no próprio estoicismo. Até poderíamos acrescentar, em termos estatísticos, que a luta contra a quebra demográfica, pela defesa da maternidade e pelos direitos das crianças, em nome do direito à vida, bem como o urgente combate à fome e à pobreza, pelos que têm sede de justiça, tem sido melhor conseguida através das leis estaduais recentes da Suécia, da Noruega e do Canadá, do que no laxismo cobarde de países onde mais são ouvidas certas homílias e têm ministros como Paulo Portas, para além de morosidades processuais em tornos de Casas Pias. Contra o Leviathan, marchar, marchar! Abaixo a heresia gnóstica de certos católicos e viva a razão não racionalista!
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