a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Lúcia de Jesus dos Santos, Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.2.05

Lúcia de Jesus dos Santos, Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado

Image Hosted by ImageShack.us

Não sou católico, ateu e nem sequer agnóstico. Fico-me pela minha heresia panteísta. Mas sei que qualquer coisa de extraordinário ocorreu na Cova de Iria no ano de 1917. Não sei, nem nunca saberei o que efectivamente foi. Aliás, nem para os católicos, as aparições são uma questão de dogma. Mas há uma coisa que reconheço, com toda a humildade de um mortal que continua à procura da raiz do mais além. Havia três pastorinhos: Francisco, Jacinta e Lúcia e hoje faleceu esta última grande senhora da nossa história. Para os crentes de Fátima, para os católicos, para todos os portugueses que sejam homens de boa vontade. Só espíritos fechados em ódios e dogmatismos poderão negar a nobreza de carácter de alguém que representa, para milhões e milhões de homens, um testemunho do que vai além da morte. Que mais exemplos de vidas como esta, possamos ter!

Quem aqui criticou, de forma agreste, recentes atitudes do cardeal D. José Policarpo, subscreve, hoje, as palavras do mesmo sobre a falecida carmelita: "há uma coisa que eu sinto, quando soube a notícia da morte dela ... eu senti que qualquer coisa acabou com a morte dela porque a Irmã Lúcia viva tornava o fenómeno de Fátima contemporâneo. A sua morte transforma Fátima numa grande tradição da Igreja mas em que esta memória viva dos protagonistas foram desaparecendo todos". E mais disse: "essa referência física da memória histórica para termos apenas a memória da tradição, uma tradição consolidada num grande santuário, com uma espiritualidade definida, com uma proposta de vida cristã, que é a mensagem e que certamente vai aprofundar-se nesta linha".

Há milhões de portugueses para quem Fátima representa o principal acontecimento da história de Portugal do século XX. Eu também sou português e curvo-me diante deste mistério. Infelizmente, não tenho fé. Mas sei reconhecer que, hoje, morreu um pedaço da minha história colectiva. Alguém que viveu como pensou e como acreditou. Honra à nobreza dessa mulher que, pelo espírito, enriqueceu meu povo!


Protestaram alguns queridos amigos sobre esta minha opinião, emitida a quente. Disse-me um deles:
A sua posta entristeceu-me muito. Não tanto por exaltar o martírio de alguém que foi enviado para a prisão perpétua há 70 anos - para sua própria protecção, como cinicamente referiu hoje um comentador de coisas religiosas -, mas, sobretudo, por não se referir ao miserável oportunismo dos que decidiram suspender a campanha. Quando vi o P. Portas, com ar sofrido, a sair do comício-jantar acenando como se já estivesse no Papa-móvel ficou claro o que pretendiam estas suspensões. Lamento, também, os que fizeram do seguidismo o seu ponto de ordem em tudo, em tudo, em tudo.

Outro, meu antigo aluno, foi também claro:
Caríssimo Professor,
Escrevo-lhe para partilhar consigo o que me ocorreu quando soube da interrupção de actividades de campanha por parte de alguns partidos, em virtude do falecimento da Irmã Lúcia:
Recordo-me, dos tempos da minha infância, de estar na aldeia de Sortes com os meus avós, aquando do falecimento de um qualquer ancião. A sua casa situa-se não longe da igreja, pelo que, sempre alguém da comunidade partia, a televisão ficava desligada, em sinal de respeito. Apesar da minha tenra idade, não me era difícil compreender a razão pela qual isso se fazia. Não é bonito conspurcar o pesar e a dor de uma cerimónia fúnebre com o ruído fútil e gaiteiro que a TV emite e que, nesses dias, raia o ímpio e o obsceno aos ouvidos de quem sofre a perda de um ente querido.
É assim que eu vejo estas interrupções na campanha, e é esta a mensagem subliminar que os líderes partidários enviam ao subconsciente da população portuguesa ao fazê-lo: Há que parar com o ruído futil e gaiteiro desta companha, sob pena de que, para além de fútil e gaiteiro, se torne ímpio e obsceno aos olhos de muitos. Se esta companha fosse uma actividade digna e nobre de esclarecimento e divulgação programática, haveria porventura razões para a interromper? Estou em crer que não.
O bispo emérito de Setúbal fala em oportunismo político, e D. Januário Torgal Ferreira em instrumentalização. Talvez não estejam errados, mas eu não deixo de ver no que aconteceu a vergonha que os políticos, lá no fundo, sentem pelas campanhas que promovem. Se a não sentem, tanto pior - mais razão têm, então, os bispos católicos.