a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Elogio a Jerónimo de Sousa</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.2.05

Elogio a Jerónimo de Sousa



Todos sabemos que o Partido Comunista é marxista-leninista, que o PS é socialista democrático, isto é filho do revisionismo marxista de Bernstein, e que o PSD, se fosse social-democrata, também seria desta última esquerda moderna, tal como Louçã não deixou de ser trotskista e o CDS-PP, com tanto choque de valores, é tudo: democrata-cristã à segunda, democrata-hindu à terça, conservador confessional à quarta, capitalista à quinta, reaccionário à sexta, marcelista ao sábado e contra os banqueiros ao domingo. Tal como o MRPP é maoísta, o Partido Humanista, protestante, a Nova Democracia, liberal, o POUS, carmelindo, e o PNR, renovador do nacionalismo.

Compreende-se, assim, que o PS mobilize o ilustre democrata-cristão Freitas do Amaral, que o PSD siga a ideologia brejeira de Alberto João Jardim, que o CDS almoce como Antigo Regime no Grémio Literário e até que Louçã apague a chama policialmente militar do Major Tomé e da memória do relatório das sevícias. As chitas da fantasia propagandista põem todos azuis ou verdes para que fiquemos de olhos em bico e sorriso amarelo, passando-lhes cheques em branco.

Daí que seja de louvar a coerência de Jerónimo de Sousa, ao declarar que "é o facto de defendermos uma escola que forme os alunos na perspectiva do trabalho, mas que simultaneamente os forme para a cidadania, para uma participação na vida política e social, o homem total, como definiu Marx". Estranha-se apenas que a comunicação social ache isto um espanto, neste tempo de brejeirices politiqueiras e de censura dos poderes fácticos face àqueles que ainda acham que vale a pena dizer o que pensam doutrinariamente. Abaixo o gato por lebre!

Jerónimo ao defender o marxiano homem total é naturalmente adepto da visão totalista do Estado e da sociedade. Temos o pudor de lhe chamar totalitário, em nome dos direitos de autor na política, dado que quem se assumiu orgulhosamente como tal foi um tal Benito Mussolini, quando a expressão qualificadora do fascismo ainda estava na moda e era finória. Só depois de se tragar tal fruto amargo é que o totalitário sofreu uma evolução semântica, com ampla carga negativa, porque abrangeu tanto as delícias do holocausto hitleriano como o saneamento humanitário do GULAG estalinista, sem esquecermos as matanças em série do maoísmo a Pol Pot.

Paradoxalmente, os grandes teóricos do totalitarismo, vieram, a posteriori, pôr em dúvida a pureza totalitária do mussolinianismo. O que, aliás, é bem feito, porque o fanfarrão italiano roubou a expressão a um deputado liberal seu compatriota, que a começou por usar como adjectivação negativa face ao nascente antidemocratismo do professor primário que começou por ser militante socialista e redactor principal pelo Avanti da pátria de Mazzini... Os nomes qualificadores das ideologias dão mais voltas que o adesivismo vira-casacas do nosso paladino do rigorosamente ao centro...