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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.2.05

A questão do sexo dos colos e as portadas sem garra

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O todo poderoso manipulador da prestidigitação mediática, na entrevista concedida a Judite de Sousa, usando várias tríades palavrosas de mau propagandismo, que ia repetindo "ad nauseam", pareceu patinar, insistindo sempre ora em "estabilidade, elegância, decência", ora em "estabilidade, responsabilidade, competência". Acontece que quando abandonou a área dos "dossiers" que, por razões de ofício, tem que dominar, não manifestou ideias, convicções nem competência.

Ficámos assim a saber que um governo CDS iria "transferir investimentos" do sector público em ciência para os privados. Que o ensino ficaria sem "teóricos, académicos e conceptuais", sendo, todo ele, profissional, para criar empregos, mas apenas para a classe média. Talvez porque as classes plebeias são de outro eleitorado e as classes altas não precisam de criação de empregos. Uma ideia peregrina que, certamente, não lhe deve ter sido soprada pelo supremo avaliador do reino ou pelo candidato a reitor da universidade das forças armadas.

Contudo, o grande educador da classe média ("dizer à classe média que nós somos o respectivo seguro...que ela só nos tem a nós como opção...") e o grande chocador de valores nada nos disse sobre a matéria que dá sentido conservador ao partido, nomeadamente quanto à sua luta contra o casamento dos homossexuais e quanto ao seu combate contra a possibilidade de tais uniões de facto poderem exercer a adopção.

Sentiu-se que a habitual língua solta do grande conservador lusitano estava inexplicavelmente emperrada por um qualquer estranho motivo, talvez relacionado com uma aborrecedora gripe, porque não acreditamos que esteja afectado pela provocação que lhe foi movida por Louçã em nome de uma filha gerada, ou pela recente polémica entre Pedro e José sobre o sexo dos colos.

E o clímax do engasgamento aconteceu quando, nos últimos momentos da entrevista, não manifestou solidariedade tanto para com o seu prometido Santana como para com José Sócrates, talvez sofrendo daquela terrível divisão entre a cabeça da Razão de Estado e de Partido e o coração da Razão dos Afectos e dos Estilos.

Vale-nos que Portas é um homem coerentíssimo, dado que cinco em cinco minutos dizia não comentar a campanha dos outros, quando se referia ao PSD, para, três em três minutos, desancar em Sócrates, nos comunistas (os mais antiquados da Europa) e nos bloqueiros (os que estão contra a NATO). "Faço uma campanha pela positiva, não falo nos outros". Mas "os deputados que eu retirar do PSD ficam dentro do mesmo campo". "Não há candidatos pré-qualificados a Primeiro-Ministro". Só nós é que temos uma equipa de governo. O PSD não tem. Sócrates não indica o respectivo ministro das finanças. Mas não comento os outros.

Os malabarismo vocabulares não conseguem criar as coisas nomeadas e o construtivismo discursivo apenas levou a que, de boas intenções, ficasse o inferno cheio. Por outras palavras, Portas, que começou a pré-campanha em regime de entradas de leão, ameaça ter saídas de outro animal hierarquicamente inferior na pirâmide do reino animal. Vivam as famílias. Não faço fretes aos adversários. Tenho uma obrigação de consulta com o PSD. Cada um é responsável pela sua campanha.

E a ilusória montanha de "dossiers" de investigaçaõ que a antiga equipa do "Independente" parecia deter apenas deu à luz ratinhos tão mansos quanto a acusação de investimento de Sócrates no saneamento básico de Búzios, no Brasil, esse tal sítio onde, segundo Guedes, "os ricos passam... fome", insinuando-se que, por causa disso, é que os nossos pobrezinhos não têm o dito saneamento básico.



Ora, estas conversas politiqueiras sobre as condutas e tubagens por onde se devia transportar a porcaria constitui, afinal, uma verdadeira fonte de mau cheiro que faz inevitavelmente parte de um conceito amplo de roupa suja. Coisa que os antigos dirigentes do "Independente" nunca colocariam na primeira página de tal semanário.

Julgo que o Dr. Portas demonstrou à saciedade que o milagre da transfiguração pode não estar ao alcance de ministros mortais. Tal como pode não ter convicções quem apenas as proclama. Tal como pode não ter ideias quem rejeita teóricos, académicos e conceptuais e, muito menos, quem foi qualificado como o Malraux português. Tal como não é competente quem apenas gosta dos sumos Compal, das reparações aeronáuticas das OGMS e dos partos não prenaturos da Maternidade Alfredo da Costa. Aliás, para cúmulo da lealdade face ao chamado "consenso do arco euro-atlântico, não bastam umas conversatas com Rumsfeld.

O Dr. Portas, a quem nunca vi perder as estribeiras em tal tipo de debate, talvez se tenha saturado e talvez nos tenha saturado. Salvo se se tiver passado algo de esquisito na face invisível do respectivo exercício do poder político, algo que, eventualmente, tenha vindo de outros ambientes e o condicionem intimamente.

Julgo que as boas canalizações so saneamento básico que remetia os fluídos para as lixeiras, por não haver co-incineração, devem ter rebentado os respectivos limites de tolerância e uma pulsão negativa ameaça inundar a habitual clareza de tão brilhantes volutas cerebrais.