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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.2.05

Sugestões para a reconstrução da direita. Sociais-democratas desdivinificai-vos!



Há um partido em Portugal que é bem mais do que um partido de simples mortais, igual aos outros. É popular, democrático, socialista, social-democrata, já quis ser da Internacional Socialista, já foi da união europeia dos reformistas e liberais e agora é da união europeia dos conservadores e democratas-cristãos e da união mundial dos conservadores. Estando, sucessivamente, no centro-direita, no centro e no centro-esquerda, pode virar à esquerda, virar à direita e ficar sempre no centro, conforme donde sopra o vento.

Já se aliou à esquerda e à direita, já foi da esquerda moderna contra o povo de esquerda quando quis estar orgulhosamente só. Por outras palavras, é "catch all", junta tudo, pilha tudo. É um partido "omnibus", isto é, o partido mais inteiro de todos os partidos porque sempre reuniu dentro de si muitos partidos, de bonzos a canhotos, escrevendo direita por linhas tortas e tortuosidades com muitos endireitas. E todos não estão a mais quando lhe batem à porta ou quando regressam como filhos pródigos. Os monárquicos coabitam com os republicanos, a antiga esquerda revolucionária converte-se ao pluralismo, o fascista passa a democrata, o beato benze-se com os maçons, o liberal pode dizer que é socialista, o rico que é pela justiça social e o remediado clamar pelas classes médias e até pela inspiração cristã.

As suas principais vulnerabilidades são, assim, as suas principais potencialidades. Faz das fraquezas forças e, no máximo das forças, fica, subitamente, fraco. Sem ele, não teria havido o melhor e o pior desta democracia. Tem muito de pátria e outro tanto de povo, mas nele se infiltraram interesses em demasia, caciques que o usam e corporativismos que dele abusam, lado a lado com jovens criativos, "self made men", rurais e urbanos, provincianos e cosmopolitas.

Tem tantos militantes activos como todos os outros juntos, entusiasmo que sobra e aquelas sete vidas que o fazem renascer de derrotas que nunca foram cinzas, mas intervalos para futuras grandes vitórias. É o melhor que a direita tem e diz que não é de direita, enquanto a direita finge que é verdade o que na verdade não sente. Mas, às vezes, abusando da posição dominante, julga que é dono dos votos de direita, dizendo à mesma para aguentar a hipocrisia, porque assim pode caçar no povo dito de esquerda e passar certificados de democrata a quem não é mesmo democrata.

E como tem a vantagem de sempre ter praticado o pluralismo e o Estado de Direito, mesmo quando teve maioria absoluta, a malta perdoa-lhe que essas três setas, que serviram para riscar os símbolos do totalitarismo, finjam que são mãos erguidas que apontam para o céu. O problema é quando se vira o bico ao prego e a ilusão de paraíso se transforma no purgatório das travessias do deserto. E agora temos o Sócrates que já veio da JSD e sabe tanto das setas como o Portas, que também veio da mesma jota. Cuidado! Desdivinificai-vos!