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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.2.05

'Centrão' volta a guinar à esquerda

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http://online.expresso.clix.pt/dossiers/legislativas2005/default.asp


Leio hoje, no DN, o artigo de Paulo Baldaia, onde ontem colaborei por via telefónica:

A vitória com maioria absoluta do PS deve ter sido conseguida à custa da transferência de votos do "grande centrão". A convicção de José Adelino Maltez, professor do Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ICSP), baseia-se no facto de "existir em Portugal um grande oceano centrão, onde se ganham as eleições com transferência de votos do PSD para o PS e vice-versa".

Para Adelino Maltez, a novidade destas eleições é, no entanto o Bloco de Esquerda. O Bloco e a CDU que, juntos, levaram ao "aparecimento de 16% do 24 de Novembro". É o que o professor do ISCP considera a verdadeira esquerda, já que o PS "transformou-se no partido do extremo centro" e deverá apresentar "um governo do bloco central sem o PSD". Até porque "não vai ter estado de graça"

Maltez lembra que existem estudos que revelam que o 80% do eleitorado é do centrão (com um milhão de eleitores flutuantes), existindo uma margem de 10% para cada lado. Nas eleições de domingo, a surpresa acabou mesmo por ser a passagem da esquerda para os 16%.

A leitura dos resultados carece, no entanto, de estudos que mostrem de forma clara a diferença de comportamento do eleitorado de 2002 para 2005. Marina Costa Lobo, professora do Instituto de Ciências Sociais, lembra que os abstencionistas das últimas eleições podem ter sido tentados, agora, a votar. Enquanto que votantes anteriores podem, agora, ter optado por ficar em casa.

É preciso também saber em quem votaram os novos eleitores. Adelino Maltez está convencido que "o drama do PS é a falta de juventude, ao contrário do Bloco que captou o eleitorado jovem".

Nos próximos tempos vão ser feitos vários estudos para saber, uma vez mais, qual foi o comportamento dos diferentes eleitorados. Para já, os partidos da coligação de centro-direita (PPD/PSD e CDS/PP) perderam juntos quase meio milhão de votos e em relação ás legislativas de 2002 eo PS ganhou mais de meio milhão. À esquerda, CDU e Bloco de Esquerda subiram mais de 250 mil votos. Ou seja, o que o centro-direita perdeu é bastante menos do que o que o centro-esquerda ganhou.

Apenas acrescento que o tal centrão é mais sociológico do que político. Correspondo àquele modelo europeu do Estado de Bem-Estar, onde segundo a síntese de Jacques Delors, têm que existir dois terços de pessoas que vivem melhor e apenas um terço de excluídos. Logo, os regimes dependem da transferência de fundos para esse distribuidor estatista, ao contrário do que sucede na América do Sul, onde há dois terços de excluídos. A nossa pós-revolução assenta nessas conquistas subsidio-dependentes e, logo, antiliberais, assentes nas promessas eleitorais de sociais-democratas e de socialistas, as quais, até agora, têm sido mais ou menos cumpridas pela importação dos fundos europeus e não pela produção e competitividade dos portugueses. Até o CDS, quando chega ao governo deixa de ser liberal e passa a cobrir-se com o manto democrata-cristão, isto é, do intervencionismo herdado da mentalidade antiliberal do Estado Novo, como Portas se orgulhou com as compras de material de guerra ou a manipulação de encomendas para estaleiros e metalúrgicas. A nossa pós-revolução, paradoxalmente, é assim muito herdeira dos modelos do Estado Social marcelista e de certo Estado Novo salazarista, com os seus Silva Pinto, Veiga Simão e Duarte Pacheco, onde os dois primeiros até já estiveram inscritos no PS, com toda a convicção e tecnocracia, de especialistas em reformas educativas e choques tecnológicos. E muitos até apostam que entrará agora no governo gente que estava para entrar no governo de Marcelo nos primeiros dias de Maio de 1974, se não tivesse sucedido o 25 de Abril.

O acréscimo de votos no Bloco de Esquerda talvez se explique pela mudança da juventude em revolta contra os mais velhos e percebendo a falta de autenticidade do processo de justiça social e de esperança colectiva. Sou capaz até de arriscar e dizer que é nesses votos que deverão actuar as ideias liberais, de maneira a tirar Portugal da tentação sul-americana, demonstrando que a relativa moderação de Miguel Portas é minoritária face à tradição de PSR, trotskista, e de UDP, albanesa, que constitui o maioritário lastro do BE. A falta de liberais e de verdes, ou melhor, a falta de comunicação política e de autenticidade das forças políticas que assumiram tais ideias é que justifica esta guinada para a margem esquerda do sistema.

De qualquer maneira, julgo que o desafio de Sócrates passa por não ceder ao envelhecimento do centrão. O que exigirá um bom governo, onde, além das velhas estrelas do PS, importa mobilizar os sinais de esperança da sociedade civil não partidarizada, até porque o partido vencedor não é propriamente um partido de militantes, como tende a ser a república laranja do PSD.

Já agora, uma pequena nota irónica, pela circunstância de no artigo do DN, eu aparecer ao lado de uma jovem e distinta investigadora que, de vez em quando, perde a serenidade analítica e julga que deve ter a missão do caça-fascistas, qualificando como tal alguns conservadores e reaccionários lusitanos que logo insulta como extrema-direita, vendo nela a mãozinha de Le Pen, o que nos parece pouco científico. Como também parece pouco cordial que não responda à correspondência dos colegas que a admiram, mas que perdem a paciência e lhe enviam "mails" de protesto. Julgo que a politologia não é propriamente o rebanho do politicamente correcto em termos de imagem comunicacional.