Continuo na esquerda da direita
O meu antigo aluno Luís Sequeira perguntava, em plena campanha eleitoral, o que andava eu a fazer num pequeno partido que foi naturalmente derrotado neste combate de gigantes.
Dir-lhe-ei, em primeiro lugar, que nunca neste blogue usei o nome do dito ou que o propagandeei, directa ou indirectamente, porque estaria a usurpar espaços e a ofender aquilo que é o meu conceito de pessoa e de civismo: a existência de uma pluralidade de pertenças.
Acrescentarei, em segundo lugar, que, com todo o orgulho, estava a exercer a cidadania e a cumprir o dever cívico de assinar o livro de ponto da resistência, contra a direita a que chegáramos e a esquerda que, afinal, já chegou.
Prestei um serviço comunitário, dei e recebi, aprendi e fui ao terreno, com amizade e política, para poder julgar aquilo que experimentei, sem o higiénico do analista de um objecto astronomicamente distante.
Por outras palavras, cumpri a tradicional sina dos politólogos e repúblicos que costumam ser sempre péssimos políticos, desde o John Stuart Mill ao Antero de Quental, os quais sempre perderam quase todas as eleições onde se meteram.
Ao contrário do que possa parecer, concordo com a perspectiva de um conservador assumido, para quem eu fiz parte de um grupo que começou por ser do centro, um partido liberal à “moda antiga”, mas com um discurso anti-federalista… e que depois passou a reformista… a redentor do sistema político, cheio de ideias democratistas. Se assim foi, vivi como pensei e não padeci de falta de autenticidade.
Concordo também com um manual de campanha da direita sem alcunha que acusou tal entidade de defender um mercado totalmente livre, que não se atreveu a denunciar as consequências profundas para a identidade nacional que uma imigração extra-europeia acarreta. Que é africanista/atlantista, que não se importa de manter a Europa sob o guarda-chuva militar/nuclear americano, sobretudo através de um reforço da OTAN. Que, logo, é pseudo-conservador e médio-burguês, porque se dizem defensores de algumas importantes mudanças no sistema político, mas não parece que, na prática, sejam verdadeiramente revolucionários. Logo, talvez não tenha razão um apoiante do PP, para quem não havia no grupo rumo nem projecto, antes de insultar o líder que personificou a coisa.
Repito o que, neste blogue, declarei quanto à minha posição política, transcrevendo dez setas doutrinárias:
Continuo na esquerda da direita. Sou, cada vez mais, a direita que gosta de ser radical do centro. Mas do centro excêntrico que nunca esteve rigorosamente ao centro.
Sinto-me um heterodoxo da direita que procura ser um homem livre. Livre, sobretudo, da finança e da partidocracia, conforme uma conspiração, em forma de revista, que, durante o crepúsculo da I República, foi desencadeada por Afonso Lopes Vieira, homem de São Pedro de Muel, e por Raúl Proença, natural das Caldas da Rainha.
Como liberal, mais do que as liberalizações, defendo a libertação e, invocando esses dois mestres, mantenho intenso diálogo com o anarquismo místico e não nego as minhas ligações às perspectivas radicais.
Daí algumas heterodoxias que costumo invocar, como a de me dizer tradicionalista liberal, republicano monárquico ou radical do centro.
... perante o presente paradoxo situacionista, gosto de estar na esquerda da direita e, no plano colectivo, manter a necessidade de defesa de um nacionalismo liberal, conforme a matriz de Fernando Pessoa.
Tanto não estou na direita da direita, entre o confessional e o populista, disputando os restos da margem do sistema, como não consigo ser da chamada direita revolucionária que, de tanto querer ser revolucionária ou reaccionária, deixou de ser direita porque entrou em órbitra extra-sistémica.
Confesso-me um pobre kantiano, um incorrigível liberalão que é fiel à religião do Estado de Direito e, talvez, esteja condenado a ser um humilde defensor deste regime que ajudei a construir em luta de rua, funções de Estado e partidária militância, pelo que não quero rasgar trinta anos da minha folha de serviços.
Não serei mobilizado pelo aventureirismo nem pela falsa ideia de eficácia politiqueira.
Sinto-me cada vez mais um radical do centro excêntrico, sito na esquerda da direita, contra aquilo que foi gerado por esta sucessão de cavaquismo, barrosismo, portismo e santanismo.
E liberal, sem ser neo-liberal, não posso cair na tentação tecnocrática, dado que concebo, na senda de Aristóteles e São Tomás de Aquino, que a ideia de justiça constitui a estrela do norte da política, porque importa exigir de cada um conforme as suas possibilidades e dar a cada um conforme as suas necessidades.
Como este decálogo é politicamente incorrecto, mesmo para a direita politicamente correcta que se diz politicamente incorrecta, corro o risco de continuar um desempregado político.
Esclarecimento de um leitor, especialista nos menadros liberais: J. S. Mill foi deputado e após uma breve pesquisa constatei que parece que de facto ele foi eleito por Westminster que representou entre 1865 e 1868, já depois de se reformar da East India Company. Perdeu depois as eleições de 1868 o que o levou a retirar-se para França onde viria a morrer.
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