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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.3.05

Ética e transparência



Enquanto os grandes da partidocracia tentam chegar a acordo quanto à extensão dos níveis de ocupação do aparelho de Estado, na sequência de uma vitória eleitoral, definindo a face visível do "spoil system", mas sem nada dizerem quanto aos inevitáveis efeitos colaterais e submarinos dessa partilha de despojos, reparo que as notícias do tempo que passa são rotineiros ataques pistoleiros a agentes das forças de segurança e essa prova máxima de prazer na cidadania, chamada entrega da declaração do imposto sobre o rendimento. Porque é neste momento que milhões de homens não privilegiados pelo sistema neofeudal vigente se sentem traídos pela injustiça sistémica pensando nas caras de Dias Loureiro, Bagão Félix, Daniel Sanches e Manuela Ferreira Leite, percebem o que significa a União Europeia de Durão Barroso. Sinto como eles, sem me sentir anarca revoltado ou revolucionário frustrado.



Não sei se, dentro de dias, não emergirá uma vigorosa campanha contra o "spoil system" e os "jobs for the boys", mecenada por banqueiras sociedades discretas e liderada por Ângelo Correia, por Moura Santos e pelo ex-corretor Pedro Caldeira, que, em nome da sociedade civil, poderão organizar um grande seminário internacional sobre a transparência e a globalização, para o qual também poderiam ser convidados Silvio Berlusconi, os filhos de François Mitterrand e Kofi Annan, bem como o presidente angolano José Eduardo dos Santos. Julgo que, caso não houvesse tantos bailados positivistas por parte dos sindicatos dos magistrados nem os intervencionismos mediáticos do casal Maria José Morgado, talvez tivéssemos um ambiente propício para o lançamento de uma pequena operação "mãos limpas". Mas desde que a mesma não fosse encabeçada pelos ressabiados magistrados vindos da extrema-esquerda, e que quase fazem da profissão uma espécie de sublimação do revolucionarismo frustrado, ou acolitada pelos ex-membros partidocráticos do conselho de controlo das magistraturas.



Por tudo isto, julgo que seria útil sair da grande imprensa nacional e passar para a regional e local. Aí poderia ler-se o seguinte: "O novo Ministério da Economia não começou a governar da melhor maneira, com o ministro a dar a conhecer que não vai delegar, ou deixar que outro, por exemplo o primeiro-ministro, decida algumas questões em aberto no ministério, onde existem conhecidos conflitos de interesse com o grupo Espirito Santo, para quem o ministro trabalhava até há alguns dias. Mais, o Governo e o primeiro-ministro não começam bem se deixarem que isso aconteça, nomeadamente sem uma clara explicação pública. A questão é simples, depois do que aconteceu com a candidatura do grupo Carlyle na privatização da Galp, em parceria com o grupo Espírito Santo, depois de todas as pressões feitas e de todos os acontecimentos conhecidos e relacionados com esta e outras privatizações, como pode o ministro decidir de forma independente? De facto não pode, porque seja qual for a sua decisão ficará sempre a dúvida, seja porque prejudica uns e favorece outros, seja porque privilegia a solução contrária. Mas, mais importante, depois do que aconteceu com o governo de António Guterres, com as histórias ainda por clarificar de Pina Moura e companhia, este novo Governo do PS não se pode dar ao luxo de repetir a dose. Ou, como poderá o novo ministro defender o interesse nacional na PT, contra os interesses mais do que presentes da espanhola Telefónica, se o mesmo grupo Espirito Santo decidir, o que é bem provável, aliar-se aos espanhóis para controlar a empresa nacional de telecomunicações? Repetindo, aliás, a história da venda da Petrogal à ENI. O autor desta observação é o antigo deputado socialista Henrique Neto, empresário. O jornal em causa é o "Diário de Leiria".