a Sobre o tempo que passa: Elementos para uma teoria dos tumores de micro-autoritarismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.4.05

Elementos para uma teoria dos tumores de micro-autoritarismo



Ainda há instituições que continuam a ser espaços infradomésticos de falso paternalismo, porque ingloriamente dependentes de certos capatazes e dos respectivos fiéis. E nesse universo de cinzentismo pós-totalitário, quem se assume da oposição quase parece que comete um pecado, porque os donos e senhores da coisa logo dizem que monopolizam o conceito de bem institucional, considerando os divergentes como dissidentes a abater. E assim podem sobreviver, para além do prazo de validade, sistemas imperiais de gestão, marcados pela arendtiana categoria do governo dos espertos, onde se manipula a legalidade, conforme o uso que dela podem fazer os espiões da Razão de Estado. Os quais nem sequer alguma vez compreederam o mínimo denominador comum da civilização do Estado de Direito.

Seguindo o manual de organização política e administrativa da nação, com que se formatavam os chefes de repartição do "ancien régime", tais ilustres autocratas conseguiram continuar a medrar neste sistema de formal democracia pluralista e competitiva, só porque instrumentalizaram o processo do anticomunismo e de luta contra os excessos do PREC, gerando tumores de micro-autoritarismo. Estes, florescentes em épocas de transição, vão continuando a germinar pela podridão das sucessivas inércias e até pelas descaradas coberturas de alguma partidarite, que os ditos cujos usam e deitam fora, conforme as conveniências. Não falta sequer o recurso às próprias pompadours, bem como uma espécie de actualização da pretensa conspiração de avós e netos, com esbirros desempregados a tentarem a junção da brigada do reumático dos gerontes com a rapazida dos novos eme-erres.



Há também alguns inimputáveis, sempre temendo a chegada dos justos cobradores de fraque, bem como uma certa legião de cordeiros amansados pelo temor e falta de espinha, aquela moluscular base de recrutamento para a inevitável vindicta dos "days after", quando as peles da fingida doçura hipócrita, com que fingem obediência, não conseguirem recobrir as inevitáveis unhas aguçadas da revolta dos PREC. O vale-tudo da opressão sempre gerou o incontrolável das libertações das molas oprimidas, quando estas se partem e emerge um poder à solta, inversamente proporcional, em revolta contra a frieza cinzenta da opressão concentracionária.

A cultura da dependência, gerada pela estreiteza de vistas do paroquialismo balofo e pelo charlatanismo dos piratas com chapéu de coco, que confundem a palavra com a demagogia, apenas afina o delírio de um carreirismo cobarde.

Acresce que tudo se pode agravar quando as ondas do reviralho se reduzem a péssimas alternativas oposicionistas, permitindo que a comparação com o mau do situacionismo leve a que se opte pelo regime dito "do mal, o menos". Com efeito, o facciosismo e aventureirismo podem acabar por enclausurar o sistema, agravando a loucura despótica e concentracionária, hábil na manipulação da teoria conspiratória do "Anticristo" e do "Gegenreich".

Mas não há mal que sempre dure nem falso bem que não acabe por ser desmascarado, principalmente quando o niilismo crepuscular faz com que os sistemismos situacionistas acabem por cair de pôdres. Especialmente quando o hossana desafina já sem altura os conspurcadores nem sequer conseguem vestir-se com a mentira dos anjinhos papudos...