a Sobre o tempo que passa: Pós-monteirismo e pós-portismo na era Ratzinger

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.4.05

Pós-monteirismo e pós-portismo na era Ratzinger



Vai decorrer neste fim de semana o terceiro congresso deste ciclo de pretensa refundação da direita a que chegámos, depois dos do PPD e PND. Agora é a vez do PP, que já foi CDS, onde o PP foi fundado por Manuel Monteiro, reforçado líder do PND, e o CDS, por Diogo Freitas do Amaral, consagrado ministro do actual governo socialista, não faltando sequer, na história, largas coincidências com o PPD, que chegou a recolher no seu seio outro antigo presidente do CDS, bem como dois antigos secretários-gerais deste mesmo partido. Por outras palavras, o grande espaço da não-esquerda portuguesa, para respeitar a sensibilidade de Luís Marques Mendes, sempre viveu em regime de albergue espanhol, onde quem está mais próximo do Bloco Central vai, sucessivamente, instrumentalizando complexos de esquerda e fantasmas de direita, para dizer que o grupo que está menos à esquerda é que é a extrema-direita, com miguelistas e fascistas pintados de democratas, para gáudio da esquerda e benefício dos interesses instalados.



Curiosamente, a resolução dos contenciosos pós-monteiristas e pós-portistas, face à impossibilidade de os conclaves escolherem líderes de transição com mais de setenta e oito anos, impõe que se recorra a tarimbeiros da geração dos quarenta anos, sempre com um "look" radical de herdeiro dos homens da Regisconta e que são, efectivamente, verdadeiros artistas portugueses da retórica do "soundbyte", desde que apareçam uns quaisquer intelectuais disponíveis para rascunharem meia dúzia de esoterices que saibam a conservadorismo não imobilista, liberalismo ético e democracia-cristã aberta ao espírito de Assis, de maneira a poder mobilizar protestantes, israelitas, budistas, hindus, ortodoxos ou islâmicos, num "attrape tout" de práticos, especialistas na prática.



Julgo que Marques Mendes, que ascendeu ao poder na era pós-Ratzinger, ainda marcado pela tentação da ditadura do relativismo, não tem as vantagens que podem apaziguar o espírito dos dois outros grupos, dado que está aberta a via ao renascimento das revoluções conservadores, onde já não é a bushomania que marca o ritmo, mas outras causas descomplexadas. Apenas aconselho que as lideranças do PND e do PP façam uma adequada consulta a preclaros espíritos de boa formação teológica, para que possam usufruir dos amanhãs que cantam para a chamada direita das causas, até porque o modelo de Ratzinger pode ser bem mais explicitamente à direita da imagem que foi mediaticamente expressa pelo episódio Rocco Buttiglione, enquanto demitido comissário europeu. Que este tipo de direita lusitana entenda, de uma vez por todas, que a prospectiva lhe pode dar um futuro auspicioso, desde que não se deixe enredar por certo laicismo direitista.

Por mim, prefiro continuar nesta senda complexa que João Gonçalves foi buscar ao aroniano Pierre Hassner: "É difícil ser a direita da esquerda e a esquerda da direita, e eu percebo isso porque também sou assim. Todos nós somos pela igualdade e contra a miséria, mas o que nos faz caminhar é mais a liberdade que a igualdade. O que fez a nossa paixão não foi a questão social mas a questão política. Não a justiça, no sentido de haver muitos ricos e poucos pobres - sobre isso somos todos a favor - mas a questão da liberdade e do totalitarismo". Continua muito difícil ser liberal em Portugal. Eu serei. Mesmo sem sítio.