O humanista é o exacto contrário do revolucionário. O ou "caso" das listas de informadores...
Há dias que acordam sem notícias e só os engenheiros das parangonas é que conseguem, pela manipulação dos títulos, suscitar alguns interesse, nomeadamente quando têm que glosar uma caixa que outros deram em primeira mão. Não, não estou a falar na notável afirmação doutrinária de Telmo Correia, para quem o CDS deve seguir em frente pela faixa da direita, só porque o PSD se passou para o centro-esquerda, mas no caso da lista dos informadores que, afinal, talvez não passe de uma simples lista dos receptores da propaganda do Estado Novo, que, mesmo assim, só poderá ser publicitada daqui a conquenta anos, enquanto a PGR estará atenta, tendo em vista a hipótese de ocultação de provas na eminente tarefa estadual de caça aos fascistas. De qualquer maneira, está provado que António Arnaut nem sequer abriu a coisa e nem sequer tem que ser especialista em bufarias, coisa que cabe, naturalmente, a outras artísticas entidades historiográficas...
Este sarilho noticioso talvez não passe de um caricato episódio que recobre uma efectiva tragédia, onde não parece que as vítimas mereçam a gargalhada dos algozes. Porque se forem puxados alguns gavetões das nossas memórias de intolerância e persiganga, o feitiço pode voltar-se contra os candidatos a perseguidores. Se, efectivamente, abrirmos todas as gavetas ainda não fechadas pela formal prescrição extintiva, julgo que todos os partidos parlamentares serão obrigados a elaborar, rapidamente e em força, uma ampla lei de amnistia.
Quando quase se pede a condenação do maçon guardador da lista, que dizer dos governantes e hierarcas do salazarismo-caetanismo feitos governantes e hierarcas do presente regime, sem terem remtido ao poder judicial as agendas contendo as direcções dos antigos apoiantes?
O ridículo de uma legalidade revolucionária que a cobardia da pós-revolução fingiu perpetuar ainda continua assim a servir como piada de primeira página. Se um qualquer contínuo de uma repartição pública que, por oportunismo, se inscreveu na Legião Portuguesa, que dizer do ministro ou director-geral que, por aí, continuam a circular de conselho científico em conselho científico, em universidades públicas, concordatárias ou lucrativas, onde até têm julgado, acarinhado ou protegido jovens líderes partidários.
A hipocrisia fabricada pelos eternos estalinistas do revisionismo histórico, ou pelos autores do livro único de história pátria do salazarismo, onde alguns dos primeiros até são parentes dos beneficiários dos segundos, é fácil concluir sobre quem serão os principais beneficiários deste confusionismo, isto é, os novos candidatos a censores. E não nos parece que tudo também possa ser decidido pela simples opinião de um simples director de arquivo, nomeado por mera escolha político-partidária.
Se, por exemplo, considerássemos todos os soldados que serviram as forças armadas hitlerianas, o próprio Santo Padre padeceria de inelegibilidade. Se fizéssemos equivaler o totalitarismo nazi ao totalitarismo estalinista e estendêssemos o manto da punição a todos os apoiantes dessas diabólicas doutrinas, muitos seriam os grupos extra-germânicos e extra-russos que poderiam ser sujeitos à depuração. Se até alargássemos tal ritmo ao maoísmo, ao castrismo e todas as outras formas de autoritarismo e violentismo, mesmo às beatas e às talibans, nunca sairíamos desta espiral de esquizofrenia.
Os comunistas assentaram no Gulag. Os nazi-fascistas produziram o Holocausto. O próprio conceito de aliança transatlântica tem traseiros indecorosos em Guantanamo e, sobre o próprio Bush, alguns internacionalistas lusitanos chegaram a pedir que, sobre ele, caísse a espada do direito penal internacional.
Por outras palavras, quase todas as doutrinas políticas e sociais, quase todas as religiões têm um passado de sombras, a que não escapam a democracia, o liberalismo e o socialismo, porque em todos os processos desencadeados por um revolução emerge aquilo que Hannah Arendt qualificou como violência pré-política. Aliás, como recordava Albert Camus, não há nenhum Estado que, um dia, não tenha sido terrorista.
Se tivermos a hipocrisia legalista de usarmos os nossos valores pluralistas de hoje, bem como os novos tipos de crimes políticos dos Estados de Direito, fazendo exercícios de aplicação retroactiva, entraremos na própria loucura. E até seria curioso que mobilizássemos ilustres agentes dos ministérios públicos, nacionais e internacionais, para, cumprindo tal legalidade formal, filha da legalidade revolucionária, penetrarmos em arquivos de ordens autónomas, como a Igreja Católica ou as maçonarias, ofendendo o princípio da subsidiariedade. Como seria interessante que tais agentes da ordem estadual e supra-estadual publicassem os respectivos "curricula" de luta político-partidária, excluindo do processos todos os magistrados que, outrora, tivessem perfilhado concepções do mundo e da vida eivadas de totalitarismo, ou admitindo o meio violentista como instrumento da acção política.
No rigor dos termos, ninguém que tenha sido adepto de uma concepção revolucionária, incluindo os que fizeram a científica defesa da legalidade revolucionária, poderia exercer tal missão sem a inevitável suspeição, dado que, parafraseando uma recente e rigorosa declaração de Francisco Martins Rodrigues, por ocasião do fim da UDP como partido, o humanista é o exacto contrário do revolucionário.
<< Home