a Sobre o tempo que passa: O novo rumo da velha mística e o regime dos tarimbeiros

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.4.05

O novo rumo da velha mística e o regime dos tarimbeiros



Conforme aqui fomos prevendo, em comentários que emitimos em cima da hora, Luís Marques Mendes venceu, depois de há muito ter chegado, depois de há muito ter visto tudo. Só que Luís Filipe Menezes não perdeu e António Borges conseguiu sobressair, enquanto Pedro Santana Lopes conseguiu sair com autoridade. Por outras palavras, tal como nas directas do PS, o grande partido acabou por obedecer aos mecanismos aparelhísticos e as oleadas comunicações que são detidas pelos chamados sargentos verbeteiros, donos das fichas, das agendas e dos telemóveis que podem ser mobilizados pelos intermediários típicos desta nova era dos organizadores.



Por outras palavras, o actual regime, a dez anos de atingir a provecta idade do tempo de governação de Salazar e com o dobro de tempo da I República, passa a ter no comando do rotativismo, dois líderes gerados na mesma cepa geracional e com idêntica axiologia e doutrina. Porque Sócrates poderia ser hoje o líder do PSD, tal como Marques Mendes o poderia ser do PS. Ambos são políticos profissionais no seu máximo esplendor, típicos ratos de gabinete que marcam a presente passada deste regime de tarimbeiros.



Os dois até transportam, nas respectivas direcções, a discreta presença de sociedades místicas e discretas, onde, aos maçons do Partido Socialista, correspondem os obreiros, seguidores dos ensinamentos e da mística de São José Maria Escrivá, como transparece na ascensão de João Bosco Mota Amaral e nalguns dos grandes nomes da nova direcção, com destaque para Paula Teixeira da Cruz, também com algumas ligações à advocacia e à estrutura bancária.

Se Sócrates nunca exerceu a tempo inteiro a engenharia e Mendes nunca apostou intensamente na advocacia, dada a chamada da pátria para altos cargos desde a mais tenra idade, ambos se especializaram na politiqueirice doméstica, onde demonstraram inegável capacidade de organização e pouca tendência para a reflexão doutrinária. São mais homens de acção do que homens de pensamento, mas nem por isso deixam de servir o pensamento, porque têm sabido rodear-se de fiéis conselheiros, ou de judiciosas avenças mentais.



Ambos também sabem e gostam do poder e de o exercitar com uma certa dterminação autoritária, conhecendo todos os meandros do respectismo cinzentismo lobístico e jagunceiro. Mendes tem, aliás, um estilo claramente marcado pelo rito bracarense, naquele à moda do Minho que mistura gongorismos na retórica, com requintes de discurso eficaz, susceptível de tradução em "slogans", ou em "soundbytes", com uma imagem de marca de bom frequentador da missa, mas não se importando de dar cobertura mística a colaboradores que sabem usar da rispidez do poder nu, com todo o cortejo das habituais misérias do jogo agreste e saneador dos elementos inconvenientes.



Apesar de ter tido uma ou duas conversas institucionais com Sócrates que não consegue cativarmos pelo estilo do "gajo porreiro", nunca tive o desprazer de me cruzar em conversa com o actual líder do PSD, apesar de noutros tempos, do começo do cavaquismo, um seu adjunto, Paulo Teixeira Pinto me ter contratado como produtor de análises políticas para o ministro em causa. Julgo ter feito apenas uma, mas logo desisti das ditas e dos honorários das mesmas, dada a minha alergia ao cavaquismo. Verifico agora que estava em contacto com um ninho de águias de vencedores antecipados, dado que conseguiram semear adequadamente estes galhos de poder onde comandam a finança, a economia e a política da pátria. Apenas prometo que nunca lhes darei o meu voto, directa ou indirectamente. A partir desta base, quero aqui declarar que estou totalmente indisponível para participar na chamada refundação desta direita, interrompendo, desta maneira, sobretudo por objecção de consciência qualquer espécie de militância em tudo o que esteja condenado à satelitização por este grupo de pressão de discurso eficaz. Tenho memória e revolta. Que venha o necessário extremo-centro liberal!