a Sobre o tempo que passa: Um franco elogio a José Ribeiro e Castro e uma proposta descomprometida

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.4.05

Um franco elogio a José Ribeiro e Castro e uma proposta descomprometida



Ora aí está uma bela surpresa política: a ascensão de José Ribeiro e Castro à liderança de um partido, com a vitória do CDS sobre o PP. Com efeito, face à tendência dominante deste regime de tarimbeiros, dá-se a vitória de alguém com experiência, competência e convicções. Mas desenganem-se, estimados leitores: com isto não estou a dizer que alguma vez tenha coincidido num combate político histórico com o José Ribeiro e Castro, ou que esteja disponível para, agora, o iniciar.

Bem pelo contrário: quando eu era sá-carneirista e até adjunto político de um ministro dessa área, ele era o super-freitista e perdia-se em longos e fastidiosos ataques ao pseudo-direitismo do fundador do PPD, peças que ainda guardo em arquivo. Da mesma forma, quando eu era pirista, também ele continuava no rigorosamente ao centro. Mas foi neste período que o comecei a admirar, precisamente quando, na primeira campanha eleitoral de Francisco Lucas Pires, onde tinha algumas responsabilidades, nomeadamente no Alentejo, o mesmo oposicionista interno foi dos poucos que compareceu a oferecer a respectiva militância de Odemira, em memória de Adelino Amaro da Costa, juntamente, aliás, com o seu aliado de então, Manuel Monteiro. Na altura, ambos eram adversários internos do nacionalismo liberal de Pires, em nome de certa ortodoxia centrista e democrata-cristã.



Aliás, o percurso de coerência de Ribeiro e Castro obrigou-o a pedir a demissão do CDS, quando este partido passou a ser dirigido por quem agora considera uma referência ética e, nesse período, continuando a apoiar Freitas, andou formalmente de braço dado com o PSD de Cavaco Silva, para regressar à casa-mãe quando o actual ministrro do PS voltou a ser, por breves tempos, presidente da instituição.

Aliás, a ascensão de Ribeiro e Castro a líder do CDS, nesta fase pós-portista, com o partido reintegrado no seu querido PPE, até foi antecedida pela honrada postura que manteve ao votar contra o projecto de tratado constitucional europeu. E não é por acaso que o antigo director de informação da inicial TVI de Roberto Carneiro e D. José Policarpo, sobe ao poder no CDS no próprio dia em que se dá o solene empossamento do novo papa, Benedito XVI.



Confesso que não esperava, neste blogue, vir a elogiar pessoalmente um líder do CDS, mas faço-o com a liberdade de quem sempre foi adversário da mesma personalidade, embora coincida geracionalmente e pela comunhão nos mesmos valores de nacionalismo universal e de defesa intransigente dos valores da democracia pluralista e do Estado de Direito. Posso assim testemunhar a existência de políticos que mantêm firmeza nas doutrinas e credibilidade valorativa.

Não quero com isto dizer que vislumbro qualquer hipótese de um trabalho conjunto de militância, porque, mudando-se os tempos e as vontades, reconheço que permanece em mim a firme pertença a outra família sociológica, que não consegue conciliar-se com o que representam Luís Nobre Guedes, António Lobo Xavier e Maria José Nogueira Pinto. Estarei noutras barricadas valorativas e noutros estilos de vida política.



Por tudo isto, estou inteiramente à vontade para assumir o politicamente correcto do politicamente incorrecto e reconhecer que estão criadas condições para que se estanquem certas feridas de falsas dissidências do CDS. Poderia até dizer que, não fosse a palavra dada em acordo, até seria possível o regresso do Movimento Humanismo e Democracia, agora perdido no rebanho do PS, mas julgo ser possível, e desejável, que se sarem os equívocos que levaram ao pedido de desfiliação de Manuel Monteiro e de outros fundadores do Partido Popular, face ao Partido de Paulo Portas, grupos que, aliás, nunca integrei.

Não falo evidentemente naquilo que foi o naipe de fundadores do projecto de Nova Democracia, mas naquilo que este novo grupo tende agora a ser, depois da chamada refundação de Aveiro e em cuja dinâmica não comungo. Com efeito, houve uma alteração anormal das circunstâncias e, "sic rebus, sic stantibus", neste congresso do CDS de Lisboa, pode gerar-se uma espiral pacificadora que permita o regresso do grupo de amigos fiéis de Manuel Monteiro. Seria, portanto, urgente que se desencadeassem imediatas negociações para a a necessária paz dos bravos, coisa em que, naturalmente, não participarei, mas que ajudaria à clarificação do espaço político da direita portuguesa.



Por ironia do destino, quem, como eu, acompanhou a aventura pirista, embora resistindo à integração no PSD, quero aqui declarar que continuo fiel ao programa de nacionalismo liberal e julgo que, definitivamente, não me consigo configurar com o necessário jogo de cintura que se exige ao "homo partidarius". Acresce que, tendo feito parte dos que, pela primeira vez em democracia, se afirmaram de direita, contra o rigorosamente ao centro, da impossível equidistância, me sinto hoje sociologicamente, e liberalmente, bem menos à direita do que a evolução coerente que tiveram José Ribeiro e Castro e Manuel Monteiro.

Sem querer andar por aí, prefiro continuar por aqui, nem que seja solitariamente, neste ser radical do centro, onde, mesmo sem partido, me sinto na tal esquerda da direita com vontade de dialogar com a direita da esquerda, cada vez mais longe das chamadas causas da direita, nomeadamente quanto ao confessionalismo, e pouco disponível para o suicidário de um qualquer pretenso bloco de direita. Por isso saúdo o único sinal lúcido de refundação da direita que emergiu neste ciclo de três congressos clarificadores das máquinas partidárias lusitanas.