a Sobre o tempo que passa: Barganhas neocorporativas e viracasaquismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.5.05

Barganhas neocorporativas e viracasaquismo



O senhor presidente Sampaio, certamente bem mais informado do que o homem comum, o aluno comum, o professor comum e o pai comum, veio, anteontem, através de uma simples frase, pôr em causa o ingente esforço de uma pleiâde de ilustres personalidades da nossa praça, chamada avaliação do ensino superior. Quem as puder listar, verificará que não deveriam ser postas em causa as magníficas barganhas neocorporativas que levaram a esse super-equilibrismo do ora agora me avalias tu, para que eu te avalie tão bem quanto me avaliaste, ou para que eu te possa condecorar ou fazer-te académico correspondente, ou de número, nesse toma-lá-dá-cá que me permitirá nomear os meus sub, sub-subs, jubilados, citadores ou decoradores, enquanto se lixa este, se elogia aquele e se gera o temor do prazer, evitando que possam pisar a sombra do nosso transcendente eucaliptal.



Entretanto, circula por entre certos bastidores que um desses supremos avaliadores da república, aliás mais novo do que o falecido papa, embora mais entradote que o recém-eleito papa, se prepara para receber mais uma unção nomeativa do regime, dado que estará vago o cargo de bispo-condestável de um instituto que outrora se dedicava a pensar a defesa nacional. Daqui lhe damos o nosso insuspeito apoio, para que todos os livros e artigos publicados sobre o tema da terra, do ar e do mar-oceano possam receber os seus notáveis prefácios, transcritos dos ainda mais notabilíssimos artigos que vem publicando na imprensa periódica, assim cumprindo o respectivo destino-manifesto de reitor primaz das universidades públicas, concordatárias, privadas, cooperativas e lucrativas, apesar de não costumar colaborar no "Causa Nossa" nem em "O Acidental".

Já agora, propõe-se que seja imediatamente revogado o diploma que condiciona a actividade dos tropas, cerca de vinta anos antes da idade que o douto possui. Um último aviso: nada me move contra um sistema avaliativo que até colocou o meu curso em primeiro lugar. Até porque foram nomeados para o avaliar três ilustres jubilados ou pré-jubilados que sempre foram subs do dito cujo e que por ali passaram, saneando-se, naturalmente, todos os que foram previamente indicados pelas escolas, só porque tinham menos de sessenta, ou setenta, anos de idade.



Esperemos que o futuro não emita mais uma sonora gargalhada, idêntica à que saudou a eleição de Ferreira do Amaral como senador democrático, ou à que elevou José Maria Alpoim a procurador da República. De qualquer maneira, o viracasaquismo de Vasco Borges ameaça tornar-se coisa leve por entre a arqueologia das coisas ridículas. Sempre há quem possa ser nomeado cardeal, mesmo sem ordens menores, ou marechal, mesmo sem recruta, porque felizmente, depois da avaliação, já ninguém pode ser catedrático sem doutoramento, como aconteceu a Salazar, mas este não era ministro quando recebeu tal atropelo ao "cursus honorum". Não nos façam é discursos sobre a necessidade de autenticidade...