O que o ministro Mariano Gago ainda não disse
Foi no sábado quando ia de Lisboa, a caminho da terra, que ouvi a entrevista de Mariano Gago à Rádio Universidade, transmitida pela TSF. É evidente que, se não fiquei empolgado pelo sentido de liderança do meu ministro, notei que, face à tristeza entorpecente da respectiva antecessora, havia ali um mínimo de autenticidade e de sentido de serviço público que merece o meu respeito e a minha solidariedade, nem que seja para um pedacinho mais de dignidade competitiva. Concordei com quase tudo que ele propôs, estou disposto a sair da greve de zelo a que, nós, professores, ficámos condenados, mas discordei, infelizmente, de tudo quanto ele não disse e que é muito mais importante do que aquilo que disse, porque ao dizer o restrito do que disse acabou apenas por mobilizar uma restrita parcela da capacidade de esperança que cada cidadão universitário guarda dentro de si.
Julgo que importa matar o borrego de certos denominadores comuns que apresentou: o nem mais uma universidade, as notas mínimas, o brio nacional de cumprirmos o que prometemos a respeito de Bolonha e, sobretudo, da desterceiromundialização. Só que esse muito mobilizador é muito pouco, caso continuemos a não despertar o sentido de ciência e a ideia de universidade que um professor, um aluno ou um burocrata universitário deve conter dentro da sua alma, porque, sem essa autonomia interior, podemos cumprir as exigências externas, mas nunca assumiremos a necessária "alma mater" que, fazendo casar a tecnologia com o humanismo nos nos pode fazer ascender à excelência. É evidente que não falo como um cultor das ciências humanas, fingindo que é mais humanista do que um cultor das ciências exactas, repetindo assim as velhas querelas do paradigma positivista.
Mariano Gago tem uma boa herança de serviço prestado como o anterior ministro da ciência de Guterres e é, sem dúvida, daqueles universitários que não precisa de lições de humanismo ou que lhe ensinem o que deve ser a ideia de universidade, dado que, nestes domínios, pensa como vive. Apenas gostaria de lhe recordar o que em Janeiro de 2004 ainda proclamava, em discurso directo, sem o filtro do ministerialismo.
Querem sempre convencer-nos, quem quer mudar de paradigma, de equilíbrio, quer sempre obviamente convencer-nos que alguma coisa mudou qualitativamente. Eu tenho as mais sérias dúvidas. Basta deixar passar uns anos para vermos, para equilibrarmos isto tudo. Para vermos que no fundo é tudo muito parecido. Portanto os suportes técnicos por vezes têm aspectos de tal maneira ofuscantes, como digo, que nos mudam um bocadinho o equilíbrio que estava antes. Não estou a dizer que é mau ou bom. Acho que é da vida, acho que é assim. Obriga-nos a refazer a história das nossas razões. Do que achamos bem e do que achamos mal. Em última análise, o que eu quero dizer, a mudança de suporte técnico opera a reconstrução da moral de alguma forma.
Agora, há um problema que me parece realmente muito importante. É que todas as novas tecnologias de informação e comunicação de captura e armazenamento de imagem... permitem um controle muito maior sobre os indivíduos do que no passado. É um facto. Ou seja, as possibilidades que pessoas ou organizações, com mais poder que outras, tenham de oprimir, é obviamente maior. E como o uso dos meios de informação e a disponibilidade dos meios de informação em larga escala, em ultima análise, está associado sempre a Poder. O poder económico ou o poder organizacional, o indivíduo é mais frágil. O indivíduo sozinho é mais frágil. E obriga julgo eu a uma organização maior dos indivíduos contra isso. Portanto as ameaças à liberdade são maiores.
Eu nesse sentido sou relativamente pessimista. Quer dizer, acho que na forma actual a capacidade de resistência foi muitíssimo grande e volto a insistir e já disse isto muitas vezes, a razão porque vivemos num Universo, mesmo assim, ainda razoavelmente equilibrado do ponto de vista das liberdades, no que diz respeito à Internet, tem a ver ainda, mas não sei por quanto tempo, com a sua origem.
A liberdade académica em última análise está muito ligada ao devir de todas as liberdades nos próximos anos, como se viu com os debates recentes relativamente à encriptação, relativamente a muitas coisas que têm a ver com esta evolução técnica. Se for possível o desenvolvimento das tecnologias da informação fazer-se de uma forma mais militarizada do que actualmente, então será muito pior a situação do que é agora.
É porque o desenvolvimento tecnológico exige muito mais gente, muita gente nova, muitos miúdos. Exige liberdade, realmente. E foi a liberdade em ultima analise que fez com que no mundo das tecnologias de informação os Estados Unidos ganhassem a Guerra-Fria. Se essa lição for ainda uma lição para os próximos anos, eu acho que poderemos ser relativamente optimistas. Mas se for possível um desenvolvimento mais técnico, ou seja, mais militarizado, mais fechado, então o pêndulo vai muito mais para quem dispõe do poder de controle e vigilância da informação, com menos capacidades sociais, democráticas, de combate a isso e sequer de controle, sequer de vigilância relativamente a isso.
Porque, obviamente, quem manda é quem tiver os técnicos na mão, como é óbvio. Quem tiver as pessoas e quem tiver lá, à noite, a fazer as coisas na máquina, quem fizer os downloads, etc. Isso que manda. E, portanto, vejo à volta disso uma mistura de poder organizado e de mercado negro de informação. Que uma das áreas disto tudo é também o mercado negro de informação.
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