a Sobre o tempo que passa: Que todos convoquem a alma!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.5.05

Que todos convoquem a alma!



Quando as notícias e as polémicas políticas têm o nome de Isaltino, Valentim, Carrilho ou Avelino, talvez importe ultrapassar o paroquialismo e o pedibolismo e reparar que, mesmo à nossa beira, ainda há mais mundo. Sugiro, por exemplo, que demos um passeio no Tejo a bordo da canoa do meu querido amigo Fernando Carvalho Rodrigues, mesmo que seja pela leitura do seu recente livro "Convoquem a Alma", onde o cientista reconhece as limitações do respectivo ofício, porque a ciência, especialmente a exacta, apenas explica um pedacinho da vida, dado que o essencial é feito de adivinhas, pelo que importa convocar a alma e estar com o coração tranquilo, para poder haver momentos de felicidade e reconhecer o mistério de um tempo feito de muito adivinhar.



Espero que o professor que a NATO foi buscar para lhe dar prospectiva não venha a receber um comunicado oficioso da Santa Madre, por assim aparecer a defender a ditadura do relativismo. Com efeito, os hierarcas comunicativos da maioritária igreja lusitana, tão deformados pelos salamaleques e galanteios da nossa politiqueirice, ainda não assumiram que se torna ridículo que continuem a ter como porta-opiniões os catolaicos marcelistas do costume, usando dessa vestimental mental que tanto instrumentaliza, à segunda-feira, o político populista de direita que propõe isenção de impostos para a padralhada, como, à quarta-feira, abençoa o Bloco de Esquerda por ter como cabeça de lista um membro de uma qualquer comissão diocesana da pretensa justiça e da famigerada paz.



Quando o catolaicismo procura ser simples bissectriz do mero oportunismo mediático, apenas se coloca no extremo oposto ao "não tenhais medo", brincando com o mecânico equilibrismo que pensa controlar todo o vasto campo que vai do Padre Doutor João Seabra do Bispo General Dom Torgal. Resta saber se assim pode manter lealdade básica face aos que seguiram os bispos-condestáveis das manifestações antitotalitárias de 1975 em favor de uma Rádio Renascença ocupada pela esquerda revolucionária daquela UDP que é a pedra básica do tal Bloco de Esquerda. Ou se assume a herança daquelees pobres e honrados crentes que mobilizaram sacrifícios para a colecta com que D. José Policarpo usou para a criação de um canal televisivo que entregou à desastrosa gestão de Roberto Carneiro e José Ribeiro e Castro. O tal canal que agora nos dá o Big Brother e a Quinta das Celebridades, depois de ter que ser gerido pelo relativista Carlos Monjardino.



E isto para não falarmos nas luteranisces e anglicanices politiqueiras e um espaço universitário gerido por alguém que só saiu do MES em Dezembro de 1975, nessa fatal atracção da geração pós-cerejeira por um lavar as mãos como Pilatos que eleva o filho pródigo que veio da extrema-esquerda ao paradigma do bom catolaico, enquanto deixa para o zé anónimo da extrema-direita o trabalho jagunçal do anti-abortismo, pensando que a nobre da missionação está nos salamaleques de alcatifa e passos perdidos. Compreende-se assim que transformem o maçon no novo judeu do século XXI e que invoquem a heresia para denegrirem os kantianos e outros suspeitos de espinosismo. Será que só o senhor Dom Manuel Clemente é que consegue dar unidade a mais de uma centena das seitas ortodoxas que dividem o espaço eclesial?

Vale-nos que ainda há canoas e fragatas no Tejo que andam ao sabor da aventura do vento e das marés, passando-se de uma para outra banda, à procura dessas sementes de felicidade que nos permitem olhar o sol de frente. Porque importa sempre concluir pelo só sei que nada sei. Amen.