a Sobre o tempo que passa: Mudança no ISCSP

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.4.05

Mudança no ISCSP



Na minha escola, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, a lista da oposição, onde orgulhosamente me integrava, acaba de vencer as eleições, iniciando-se certamente um novo ciclo, de ruptura tranquila face a uma continuidade situacionista que durava desde o começo dos anos sessenta do século passado. Afinal, mesmo num ambiente dominado por uma ampla zona de professores convidados pela direcção cessante, a coligação oposicionista, que obteve cerca de 60%, conseguiu vencer as tradicionais adversidades de um poder cansado e alterar pela via eleitoral uma rotina quase endogâmica.

Vai voltar a valer a pena reinventar a escola, com liberdade e justiça, abrindo janelas, limpando teias e tirando trancas das portas. A lista vencedora indicará para a presidência do Conselho Directivo, o Professor Doutor João Faria Bilhim. A lista derrotada, apoiada pelo modelo rotineiro da escola, apresentava, como elementos de destaque, um antigo assessor de Cavaco Silva, vários activistas do Partido Social-Democrata e do Partido Popular, um antigo administrador da Universidade Internacional, bem como um conhecido nome do PCP.

Há um bom par de anos, num certo congresso do CDS, partido que, aliás, eu já tinha abandonado, realizava-se um congresso que tinha como missão eleger um sucessor de Diogo Freitas do Amaral, na sua segunda vida de presidente de tal partido. Concorriam, de um lado, Basílio Horta, apoiado por Telmo Correia e por muitos que há dias elegeram Ribeiro e Castro, incluindo Manuel Machado e eu próprio, enquanto, do outro, estava o jovem Manuel Monteiro. Na organização do congresso estava João Baptista Pereira Neto, ao serviço desse cúmulo da isenção e da imparcialidade chamado Adriano Moreira. A maioria dos congressistas tinha a orelha marcada pela dupla Neto-Moreira, mas as coisas tinham sido invertidas no decorrer dos trabalhos. Eis senão quando, no fim das discussões, todos são convocado pelo Isento Mor para dele ouvirem um discurso ainda mais isento, de apoio a quem se opunha a Horta, quebrando o ritmo do que deviam ser eleições livres, justas e leais. Assim, um duvidoso histórico, preparava o nascimento daquilo que viria a ser, infelizmente, o chamado Partido Popular, a que nunca pertenci.

No ISCSP, por acaso, o presidente da comissão organizadora destas eleições era, mais uma vez, João Baptista Pereira Neto. E, ao fim da tarde, por todo o edifício, as pessoas eram convocadas para assistir a uma conferência de Adriano Moreira. Isento e imparcial. Em plenas eleições pouco livres, pouco justas e pouco leais. Desta, o acaso fez com que o mesmo grupo, noutro sítio, com outro espírito, tivesse perdido. Até porque o nome comunista mobilizado constituía uma marca perseguidora do nome Luís Viana de Sá no interior do PCP. O mesmo Luís Viana de Sá que os promotores da lista em causa tinham afastado do lugar universitário a que tinha direito, por ser comunista. E nem sequer chegou o todos terem recebido em casa, com um sobrescrito oficial, emitido pelos serviços oficiais, da República Portuguesa, uma carta particular, promovendo uma homenagem particular ao principal promotor da lista derrotada que, por acaso, era o principal mandador da lista situacionista.

Nesse mesmo dia, já depois de se saberem os resultados, recebi um curioso "mail" de um dos citados, mas por outras razões, onde, por acaso, podia ler-se "Caro José Adelino. Acuso a recepção de dois emails seus. Responder-lhes-ei, por ordem de entrada.Um abraço". Logo respondi: "Caro X. Acuso a recepção do seu mail. Nem sequer precisa de me responder. Um abraço". João Baptista Pereira Neto não foi eleito, desta, presidente do Congresso. Também já não podia concorrer. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Todo o tempo é feito de mudança, como se a oposição tivesso vencido as eleições de 1973, candidatando Quintão Meireles ou Humberto Delgado que, por acaso, não tinha sido assassinado por esbirros do situacionismo em 1965. E também podem ser consultados os magníficos textos de algumas figuras morais, comuns aos dois regimes, sobre o evento, sempre em defesa dos direitos do homem.