a Sobre o tempo que passa: Que venha a subversão pela justiça, sem pontapés ao léu!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.5.05

Que venha a subversão pela justiça, sem pontapés ao léu!



Hoje, correndo os olhos pelas páginas dos jornais, parece não haver notícias que me despertem a pena para a glosa ácida da revolta. Nem os comentários de Portas ao caso Abel Pinheiro/ Nobre Guedes, dado que o ilustre rumsfeldiano ainda não recebeu suficientes dados para ter opinião e diz só respeitar as regras do direito, além de ter regressado assim ungido pela única superpotência que resta, onde, ao que parece, o BES teve problemas no Estado da Florida. Resta-me observar que o PSD, cumprindo aquilo que há dias ouvi de Pedro Passos Coelho, sobre o fim da relação do partido com os donos da bola, vai candidatar o agricultor Octávio Machado à câmara de Palmela. Coerência "oblige".

Direi apenas que as plataformas giratórias que fazem comunicar a economia e a política costumam ser bem mais circunspectas do que as articulações que se têm estabelecido entre a futebolítica e os autarcas de sucesso. E as leis que pretendem controlar a coisa chegam sempre no "day after", dado que os criadores da tipificação penal do tráfico de influências e da corrupção, de tanta "tradução em calão" das tabelas fornecidas pelo direito comparado, não conseguem assentar os olhos no laboratório lusitano das manigâncias. Corremos assim o risco de confundir a degenerescência política com os episódios rocambolescos dos nossos sucessivos colectivismos morais, que andam sempre a confundir Mafoma com o Toucinho. Apenas sugiro que os nossos legisladores, magistrados e polícias possam ter um mínimo de formação politológica em poliarquia, especialmente naqueles onde ainda são marcantes os genes totalitários recebidos pela respectiva educação salazarenta, eme-erre-pê-piana e feque-emelista. E que não reduzam a sociologia às belas imaginações ideológicas do quase monopolista da consultadoria de estudos extra-jurídicos do Ministério da Justiça, desde que Marcelo Rebelo de Sousa o invocou como mestre no congresso do PSD que lhe deu o poder.



Quando os nossos discursadores politiqueiros, pondo as barbas de molho, porque já as têm a arder, tentam deter a ilusão da espada vingadora da justiça, com as mesuras do apelo à racionalidade, em nome dos belos princípios da legalidade, porque eles sabem que os outros sabem que eles sabem, apenas direi que os ditos não reparam que o Estado de Direito só será comunitariamente amado se corresponder aos populares anseios da subversão pela justiça, onde a lei é menos do que o direito e o direito menos do que a justiça. Quando os partidocratas não reparam que a válvula de escape da nossa panela de pressão social começa a ficar entupida, apenas direi que eles parecem muito diferentes, mas são bem mais iguais nos métodos, senão mesmo nos próprios fins, especialmente quando tratam com paninhos quentes aquilo que, caso não existisse a integração europeia, poderia dar pretexto para uma qualquer intervenção autoritária ou de um césar de multidões.



Em Portugal, permanecem os genes devoristas que confundem os métodos da esquerda e da direita, quando estas circulam pelos meandros dos aparelhos de poder, segundo o ritmo do "enrichissez vous". Caso a administração da justiça falhe nesta investida contra o negocismo na política, corremos sérios riscos de, mais uma vez, desprestigiarmos os aparelhos de investigação criminal, para gáudio dos inúmeros pescadores de águas turvas que, vestidos de honrados politiqueiros, vão gastando a palavra pelo mau uso, sendo como tal convidados pelas televisões dos viscondes. Desta maneira, a justiça corre o risco de transformar-se em mero palco da legitimação pelo procedimento, onde domina a eficácia sem princípios éticos, num maquiavelismo caseiro a que apenas devemos dar o nome dos sem vergonha.