a Sobre o tempo que passa: Não nasci para odiar, mas para amar (Antígona)

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.6.05

Não nasci para odiar, mas para amar (Antígona)



Apetece sorver o tempo-mar que há-de ser e assim volver ao sonho, à vertigem de um acaso procurado. Porque, no mais fundo de quem sou, há sempre um pedaço de mar.

Há um tempo de espera de quem sou. Agora e aqui, diante de mim.

E vou, pelo mar sem fim, que meus olhos perseguem. E reparo, nas muitas palavras dispersas que me repõem.

A força da flor. A leveza da areia. O ciciar da rola, brincando na água da cascata.

Que, de repente, me foi fluindo toda a música que guardava. Bastou um breve sinal que me deu sonho. E a semente se converteu no ritmo de quem semeou sem o saber.

Toda a música que guardava me foi fluindo, neste vaivem do tempo. E a força da maré fez-se corrente que liberta.

O sol enevoado, a praia em maré baixa, a areia longa da viagem que apetece sulcar, sem deixar rasto.

Tanta música guardava dentro de mim, sem o pensar.



Há palavras que só podem acontecer, sentidamente, à beira mar. Dias de, assim, viver o segredo de viver. Dias em que voltamos ao prazer da criação. Dias de olhar quem somos, em sinfonia. Neste esvoaçar da metafísica de um som que nos dá sonho.

Colher assim, na emoção da paisagem, um simples gorjeio.

Há dias peregrinos, de todo o mundo ser espaço de passeio, neste caminhar por caminhar, sem procurar chegar. Há dias de sorver todo o azul que nos trouxe a primavera, dias de viver inteiro, sem que os muros me detenham.

Porque hoje não apeteceu sulcar os meandros eruditos, académicos de tantos livros que não li. Preferi recordar Antígona: "não nasci para odiar, mas para amar".



Há húmidos caminhos do sublime, esse fluido dos deuses onde, vencendo os limites, não varamos as regras eternas e imutáveis que ninguém sabe como surgiram e que, de nenhum decreto, tiveram vigência.

É esse o sinal distintivo da criação. Que seria de nós, simples mortais, se não ousássemos, de vez em quando, o mais além? Sem esse prazer de viver, viver não teria sentido...

Sou tanta gente antes de mim que, quando por mim dentro me procuro, é em todos os outros que me confundo. E assim, com os outros, em comunhão, sou bem mais do que me penso.