De regresso às presidenciais
Ontem fui entrevistado por Luís Claro para a Rádio Presidenciais do RCP/Rádio Comercial. Retomei as análises que tenho vindo a fazer sobre a matéria, salientando que algumas candidaturas, as que têm os melhores políticos profissionais a organizá-las, cumprem aquele princípio, segundo o qual a boa propaganda, para o ser, não pode parecer propaganda. É o caso, por exemplo, da candidatura de Cavaco Silva, cuja imagem de antipolítico é o que mais político tem transparecido.
Saliento que a ideia de vitória, neste momento, é, para Cavaco nem sequer precisar de ir à segunda volta, enquanto para Soares basta obrigar o primeiro a ter que submeter a nova votação, onde espera poder obter o triunfo que obteve contra Freitas.
Insisto que a ideia presidencialista nunca foi, neste nosso regime, uma bandeira da direita democrática, mas antes do eanismo e de certa perspectiva dos comunistas de hoje que pretendem instalar em Belém uma espécie de guardião da Constituição.
Denuncio a pentarquia dos candidatos sistémicos, em aliança com os donos do poder da comunicação social, levando a que as eleições não sejam justas nem leais, para com os candidatos que não têm a protecção da partidocracia, ou das respectivas dissidências.
Observo que o PS parece ter uma atitude ambivalente. Se o PS-partido apoia Soares, já para o PS-Governo, com Freitas ministro, tanto lhe faz, numa postura próxima a que teve Cavaco-PM, quando apoiou a reeleição de Soares. Com efeito, o situacionismo governativo quase lava as mãos como Pilatos face ao debate presidencial, até porque, neste intervalo de holofotes, Sócrates aproveitou para decidir o Orçamento e lançar a Ota e o TGV, bem como algumas medidas impopulares como a lei das rendas ou o não-aumento da função pública, enquanto obteve uma imagem de bom sindicalista na cena europeia.
Digo, de Sampaio, que ele foi, dos três presidentes eleitos pelo povo depois de 1974, o que menos criativo se mostrou, ficando entre a continuidade e o interregno, mas que, nem por isso, deixou que a instituição se afundasse na confiança pública.
Vamos ter uma corrida desenfreada para a conquista do chamado eleitorado flutuante que, ora vota PS, ora opta pelo PSD, onde Soares espera repetir a cena que o levou a vencer Freitas na segunda volta, com os comunistas a engolirem um sapo vivo.
Se eu fosse consultor de Soares diria para ele estar atento aos sinais vindos da candidatura de Cavaco, quando os supremos mestres do "marketing" aconselharem o respectivo produto ao abandono da táctica da gestão majestática do silêncio, invocando o perigo da vitória da esquerda. Nessa altura, o velho Soares deve dar um golpe de rins, onde procurando garantir o pleno da esquerda, trate de roubar subliminarmente o discurso de Cavaco, assumindo-se como suprapartidário.
Para tanto, importa que Soares consiga evitar que a candidatura de Alegre o ultrapasse, que recupere os afectos de uma comunidade que, outrora, lhe deu confiança e que demonstre estar ultrapassado o efeito-idade.
Torna-se também fundamental que Alegre continue a não conseguir gerir o respectivo paradoxo: o do desertor patriótico ou o do antifascista capaz de mobilizar a direita nacionalista, de forma transversal. Para tanto, tem que libertar-se das teias e polémicas partidocráticas, quando se perdeu no circuito da corte dos respectivos apoiantes, demasiadamente vanguardistas para captarem os sinais vindos do homem comum.
Alegre não conseguiu até agora superar o modelo de partidarismo, à maneira eanista, por ocasião do processo de lançamento do PRD, faltando-lhe tanto uma Manuela Eanes como um Hermínio Martinho.
Faltou-lhe também a ousadia maquiavélica do populismo, numa versão de esquerda de um processo que teve certa eficácia eleitoral com Manuel Monteiro e Paulo Portas. E não teve uma televisão de serviço, capaz de o fazer encarnação de uma qualquer causa de combate e que, neste momento, só podia ser a denúncia do actual sistema político, nomeadamente a partidocracia, a corrupção e o indiferentismo, dando assim uma voz tribunícia de esquerda a certa fome de justiça e uma voz épica de direita ao vazio de pátria.
Com efeito, o processo de epifania alegrista teve o azar de entrar num terreno onde havia um excesso de actores de esquerda, com Jerónimo a intrometer-se entre os revoltados e Louçã a disputar-lhe a intelectualice, enquanto Soares o não deixou assumir-se no âmbito das memórias libertacionistas, do antifascismo ao anticunhalismo.
Acresce que o caldo emocional das actuais encruzilhadas nacionais e europeias têm também uma frieza de temperatura pouco dramática para o lançamento do grito da pátria em perigo.
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