a Sobre o tempo que passa: Da insurreição à revolta nacional. Recordando o Ultimatum...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.1.06

Da insurreição à revolta nacional. Recordando o Ultimatum...



Hoje é o dia em que se desencadeou o "ultimatum" britânico a Portugal no ano de 1890. E nesse ano em que na sequência de tal acto caiu o governo progressista, sobe ao poder o governo regenerador de António Serpa, já com o apoio da facção de Barjona de Freitas, em tempos de finis patriae, conforme o livro de revolta de Guerra Junqueiro, pouco antes da morte de Camilo Castelo Branco. Nesse mesmo ano, já Marx inspira um comício realizado em Lisboa, mas, depois da assinatura do Tratado de Londres, emerge o gabinete extrapartidário de João Crisóstomo, apoiado pela emergente Liga Liberal, de nada valendo os 76% conseguidos pelos regeneradores nas eleições de Março.


Antecedendo a geração espanhola de 1898, surge em Portugal, depois da geração insurreccionista de 1871, a geração nacionalista que é marcante em António Nobre e Alberto de Oliveira. A partir de meados desse ano, florescem em Lisboa sociedades secretas, dispostas a fazer a revolução, desde os anarquistas, mais ou menos niilistas, aos republicanos, acontecendo que, muitas vezes, estes contraditórios grupos se juntam em federações.


Antero de Quental, nas vésperas do suicídio, publica Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, enquanto em Coimbra Eugénio de Castro lança o poema Oaristos, base do nosso primeiro simbolismo que pretendia ser uma poesia nova contra a paralisia que entrevara a poética nacional.



E ficam os versos de Junqueiro, contra os bretões:
Ó cínica Inglaterra, ó bêbada impudente,
Que tens levado tu, ao negro e à escravidão?
Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o Escuro Continente
A mortalha de Cristo em tangas de algodão.
(Finis Patriae, publicado em 11 de Abril de 1890)

Vejamos a seuência do processo: nota do ministro inglês em Lisboa, George Glynn Petre. Intima Portugal à abstenção de actuação no Niasse, Chire e Macololândia. Dá dois dias para a resposta (2 de Janeiro). Resposta do ministro Barros Gomes. Declara aceitar as exigências, com base na reciprocidade. Pede acordo com Londres ou o julgamento da questão pelas potências da Conferência de Berlim (8 de Janeiro). Petre reclama informação ao governo português o que este tinha comunicado para as autoridades portuguesas em Moçambique. Mas nem sequer dá tempo para a resposta de Barros Gomes (10 de Janeiro). Ultimato britânico. Primeiro, de forma oral. Depois, por escrito (11 de Janeiro).




Exige-se que se enviem ao governo de Moçambque instruções telegráficas imediatas, para que todas e quaisquer forças militares portuguesas actualmente no Chire e nos países dos macololos e mashonas se retirem. É imediatamente convocado o Conselho de Estado. Recebe-se em Lisboa um telegrama do governador de Cabo verde que comunica a chegada à ilha de S. Vicente de um couraçado britânico que parece manifestar intenções hostis. O cônsul português em Gibraltar comunica a passagem de dez vasos de guerra britânicos com destino a Moçambique e que no porto de Gibraltar está a esquadra britânica do Canal e do Mediterrâneo, viajando seguir para Moçambique. O Conselho de Estado reúne até de madrugada. Apenas Barros Gomes e António Serpa se manifestam favoráveis a uma certa resistência, pela retirada das nossas forças dos territórios em disputa, se os britânicos aceitassem a arbitragem, nos termos do artigo 12 do Acto geral da Conferência de Berlim. O resto do Conselho cede completamente ao Ultimato.

Vários motins em Lisboa (12 de Janeiro). O consulado britânico é apedrejado. Ataques a jornais. Residência de Barros Gomes é apedrejada. Muitos vivas e morras. A estátua de Camões em Lisboa aparece rodeada de crepes negros, por inciativa do deputado Eduardo Abreu. A Sociedade de Geografia de Lisboa hasteia a bandeira nacional a meia haste. Comício dos estudantes de Lisboa no Jardim Botânico. Comícios em Coimbra, com a imediata criação de batalhões de voluntários (13 de Janeiro).

Compõe-se A Portuguesa. Miguel Ângelo Pereira compõe A Marcha do Ódio, musicando poema de Guerra Junqueiro. As libras passam a qualificar-se como as ladras. O verbo inglesar passa a querer significar usurpar. Num comício realizado no teatro da Trindade, é criada uma comissão de defesa nacional, onde se junta gente de todos os partidos (23 de Janeiro).

No Porto, forma-se uma Liga Patriótica do Norte, com Antero de Quental e Luís de Magalhães. O ambiente é tenso e os cidadãos britânicos são agredidos na rua. Há várias manifestações contra a Inglaterra, considerada a pirata. Comício republicano no Coliseu da Rua da Palma, em Lisboa, seguindo-se cortejo até ao Largo Camões, mobilizando-se cerca de 40 000 pessoas (11 de Fevereiro).

A manifestação é dissolvida pela campanha de apitos da Guarda Municipal, havendo apenas pranchadas. Manuel de Arriaga e Jacinto Nunes fazem discursos em plena rua e são detidos, sendo conduzidos para o navio Vasco da Gama.Inicia-se uma subscrição pública para a defesa nacional, no Teatro D. Maria II: não são um socorro ao Estado, são um manifesto ao País. Entre os organizadores, o conde de S. Januário, o médico José Tomás de Sousa Martins, Roberto Ivens, Luciano Cordeiro, Teófilo Braga, Sebastião Magalhães Lima e Eduardo Abreu (24 de Fevereiro). No mesmo dia, publica-se decreto de 22 de Fevereiro, com ampla amnistia.

O estudante republicano António José de Almeida publica um artigo com o escandaloso título de Bragança, o último (23 de Março). Regresso a Lisboa de Serpa Pinto e Vítor Cordon, com grandes manifestações patrióticas (20 de Abril).Realiza-se em Lisboa um comício operário na Rua Nova da Piedade, onde se invoca Karl Marx (4 de Maio). Barros Gomes na Câmara dos Deputados pede ao governo a publicação de um Livro Branco, onde se publiquem todos os documentos sobre a crise (6 de Maio)