Isaltinos, escutas, nortadas, eleições presidenciais, pombais, terramotos e mais do mesmo do senhor ninguém a que chamamos sistema
Acordo pela manhã e verifico que todos os portugueses são abalados por parangonas de sensacionalismos político-judiciais, desde a acusação a Isaltino de Morais à revelação de 80 000 escutas a chamadas feitas por titulares de órgãos de soberania, obtidas por causa do caso da Pia Casa. As novas sobre Isaltino são mais uma excelente prova da alta qualidade de certos sectores da nossa classe política, face a este paradigma de magistrado, autarca, deputado e ministro que ensarilhou durante décadas lideranças partidárias e o próprio povo que o reelegeu e a quem se deve a elevação do actual chefe da oposição a supremo mandador numa universidade que começando por ser privada foi, depois, moraismente autarquizada e partidarizada, como reserva de desempregados políticos, onde não faltaram colóquios conjuntos de Sócrates e Marques Mendes, com direito a primeira página no semanário de Balsemão.
E tudo isto no período em que o país assistia à ascensão e queda do processo da Universidade Moderna, outra das coroas de glória da presidência do escutado Sampaio, e que agora parece chegar ao seu termo com o anúncio da venda das instalações da tal escola para um condomínio de luxo, com os promotores imobiliários a continuarem a imobilizar-nos, assim se dando razão a outro destaque noticioso que, confirmando o futebolista Karyaka, nos dizem que continuamos vinte anos atrasados em matéria de inovoção. Esperemos que, para se analisarem os casos escuteiros não invoquem os habituais testemunhos do "star system" judicial, de Maria José Morgado a Cândida passando pelos maridos das mesmas senhoras e outros eventuais ex-militantes de partidos de extrema-esquerda cuja psicologia continua a dar uma imagem pouco suprapartidriamente serena da instituição judicial.
Esperemos que a máquina devoradoramente anónima da irresponsabilidade burocrática, naquilo que abstractamente chamamos sistema, se não transforme na continuidade desta ditadura do senhor ninguém, onde a culpa continua a morrer solteira, apesar de já ter sido ordenado novo zeloso inquérito levado a cabo por mais uma investigação corporativa, já noticiada pelo perpétuo regime das notas oficiosas onde muitos paus vão e vêm enquanto folgam as costas.
Tudo isto, talvez para rememorarmos que neste dia, no ano de 1759, se deu a execução do duque de Aveiro e dos tais Távoras que tinham palácio junto o que é hoje o café dos tais pastéis de Belém, mesmo ao lado da Casa Pia. Ou talvez para recordarmos que neste dia de 1975 começou a chamada Nortada, uma dita campanha de dinamização cultural, levada a cabo pelo Regimento de Comandos no Nordeste, dirigido, então, por Matos Gomes, às ordens da chamada Quinta Divisão, onde colaboraram os grandes educadores do proletariado Ramiro Correia, Faria Paulino e Dinis de Almeida. E nesta mesma data desse preciso ano, também o dito Conselho Superior do MFA se manifestou pela unicidade sindical, por unanimidade, o que vai levar o PS a revoltar-se contra esse controlo comunista do movimento sindical. Para concluirmos as efemérides, mas ainda sem sairmos de Belém, recordamos que em 1991 Mário Soares foi reeleito, com 70, 35%, contra Basílio Horta (14, 16%), Carlos Carvalhas (12, 92%) e Carlos Marques (2,57%), enquanto continuava o governo de Cavaco Silva.
O tal Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), conde de Oeiras, sem ser Isaltino, e marquês de Pombal, sem ser de Mirandela, depois de ser diplomata em Londres e Viena, entre 1738 e 1749, destacou-se como o executante do despotismo iluminado durante o reinado de D. José I (1750-1777). Com ele nos chega o terramoto político do estadualismo, à imagem e semelhança do próprio terramoto de Lisboa de 1755, onde vai reconstruir a cidade de acordo com um modelo arquitectónico geométrico, com as anteriores pedras.
Destaca-se também a respectiva reforma da Universidade em 1772, onde tenta eliminar a dominante jesuítica da ratio studiorum, preferindo o empirismo mitigado. Personifica um quarto de século de reformismo despótico, onde usa as doutrinas do mercantilismo. Lança, assim, as fundações do Portugal Contemporâneo e do modelo unitário do Brasil. Conclui em Portugal o edifício do Estado Moderno, empreendendo uma luta contra os poderes periféricos da nobreza, do clero e do povo.
De facto, a alavanca da mudança para a nossa modernidade política é Sebastião José que personifica um quarto de século de reformismo despótico, onde usa as doutrinas do mercantilismo e adapta as teses do josefismo austríaco, expressas por Karl Anton Von Martini (1726-1800), por sua vez, marcado pelo reformismo católico italiano da primeira metade do século XVIII, bem expresso pela influência de Muratori no nosso Luís António Verney.
Este ajudante de déspota, filiado na maçonaria, é uma das figuras incontornáveis da história de Portugal e do Brasil, sendo sempre glorificado tanto pelos confrades maçónicos, que lhe exaltam as luzes e as boas intenções dos objectivos, como pelos posteriores defensores do despotismo, que lhe justificam os meios, em nome do fim e do resultado. Aliás, não terá sido um acaso que a grande estátua lisboeta que o consagra e que, ironicamente, coroa a chamada Avenida da Liberdade, depois de justamente se iniciar na praça dos Restauradores, ter sido financiada por uma campanha da maçonaria, iniciada em 1882. Contudo, apenas pôde ser inaugurada em 1931, já com Salazar no poder, numa cerimónia oficial onde estiveram presentes, talvez pela última vez, tanto os dirigentes do Grande Oriente Lusitano, como um ministro da Ditadura Nacional.
O terramoto das reformas pombalistas consagra, o modelo de centralização unitária de Portugal, eliminando certos resquícios pluralistas da monarquia limitada pelas ordens que ainda permaneciam no nosso ancien régime. De facto, Pombal vai construir o Estado tal como promoveu a reconstrução da cidade de Lisboa depois do terramoto de 1755, através das linhas arquitectónicas de um racionalismo geometrizante que procuraram eliminar as autonomias da nobreza, bem expressa na liquidação dos Távoras, da Igreja, excelentemente manifestada com a expulsão dos jesuítas, e do povo, como foi patente no chamado massacre da Trafaria.
Para tanto, instaura um modelo moderno de burocracia, reforma a Universidade e procura controlar os respectivos programas através da técnica do livro único. Deste modo, aniquila os últimos vestígios da cidadania, constantes da Constituição política de 1385. Paradoxalmente, os nossos liberais maçónicos, acentuando mais a irmandade anticlerical e anticongreganista, do que a liberdade, vão venerá-lo e, salvo algumas excepções, como a do Cardeal Saraiva, nem sequer tratam de relembrar a memória republicana e quase monarcómaca dos autores jesuítas que influenciaram os juristas da Restauração, ao contrário do que aconteceu em Espanha, com o inspirador doutrinário do doceanismo, Martínez Marina.
Acontece que esse movimento reformista foi rapidamente ultrapassado pelo ritmo da chamada viradeira de D. Maria I, configurando-se um autoritarismo reaccionário que recebu os impactos da Revolução Francesa, através dos reflexos de janelas fechadas, defensoras do hibridismo estabelecido. Isto é, sem ousarmos um conservadorismo tradicionalista, gerámos um modelo próprio que vai repetir-se no século XX, com o autoritarismo salazarista, um conservadorismo do que está, que tanto rejeitou o fundo do tradicionalismo consensualista, à maneira dos wighs, como um neoconservadorismo pós-revolucionário, ao estilo de Burke.
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