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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.5.07

Onde fica o exílio adequado para um português que quer continuar à solta, contra os fantasmas do absolutismo?

Hoje, por volta do meio dia, termino uma dessas habituais semanas universitárias de Maio, plenas de colaboração com as actividades de extensão universitária, principalmente em colóquios promovidos pelos senhores estudantes. No dia um, foi uma palestra onde, em coligação com os estudantes, convidámos Manuela Ferreira Leite, com anfiteatro a transbordar. No dia dois, um balanço sobre dez anos de uma licenciatura. No dia três, conferência sobre a teoria política do humanismo renascentista português. No dia quatro, uma aula de antigos alunos para os novos alunos, sobre a questão europeia. No dia cinco, a presidência de um colóquio sobre globalização e inteligência económica. No dia seis, a tertúlia de filosofia política que há seis anos se leva a cabo na Universidade Lusíada, com o Duarte Nogueira, o Barbas Homem, o Guilherme d'Oliveira Martins, o Vera Cruz, a que este ano faltaram o Paulo Teixeira Pinto e o Ricardo Leite Pinto. No dia sete, que é hoje, uma discussão sobre o Brasil com colegas da UNB. Sempre com prévio trabalho de casa, para a elaboração de "papers".

Os sete dias, que foram suficientes para a criação de outro mundo, acabaram por ser intensos para a reforma universitária, segundo me diz a inside information. O senhor ministro entrou em negociação, com sucessivas novas versões do grande diploma pombalino que nos vai pôr na linha fundacional. Já o meu conselho científico, cientificamente convocado pelos directivos vigentes, escolheu reunir-se precisamente nos dias em que sabia que eu não podia estar presente, para um dos grandes chefes dizer que eu não quis estar presente, mesmo quando presidi a sessões em que ele subscreveu formalmente o convite e também devia estar presente, por razões institucionais. Apenas fiquei esclarecido e responderei, com a necessária greve de zelo e a utilização dos meios contenciosos disponíveis, mas sem me preocupar com o de minimis da alta qualidade humanista dos que nunca foram treinados para a cultura da institucionalização dos conflitos, preferindo os silogismos sebenteiros do cardeal Ratzinger, e mistura com as vulgatas de José Estaline.

Por outras palavras, enquanto o senhor ministro da ciência, e muito bem, parece querer estabelecer um número mínimo de trinta alunos por doutor ,como critério de excelência, os meus grandes chefes da pequena chafarica caminham para estabelecer, para cada um dos doutores que integram as respectivas listas de conquista dos restos do poder, trinta cadeiras por doutor. Por enquanto já vão em vinte e tal para cada um, sem contar com as que têm em acumulação noutras universidades públicas, privadas e concordatárias. E fazem bem, porque assim, com tantos assistentes dependentes, conseguirão maiorias de votos para a respectiva reeleição e sempre poderão continuar a elaborar planos científicos em reuniões onde simples monitores têm tanta qualidade opinativa como doutores, agregados e catedráticos, só porque invocam a chouriçada da bolonhesa, mesmo quando desprezam gritos de revolta institucionais subscritos pelos mesmos estudantes. No intervalo, podem pagar anúncios num semanário de grande circulação, onde põem professores auxiliares, que utilizam como agentes eleitorais, como coordenadores de mestrados, ao mesmo tempo que, em cartazes internos, elevam os ditos, também por lapso, a professores catedráticos, porque a lei para os amigos tem outro sabor.

O poder nu é assim, em qualquer regime marcado pelo arendtiano modelo de governo dos espertos. E quando alguém faz um discurso, em público, olhos nos olhos, criticando o poder, o melhor é sair da sala, para, depois, quando o visado não está presente, no silêncio da alcatifa, se dizer que ele o achincalhou e até insinuar que uma das respostas deveria ser a da pancadaria, ao mesmo tempo que também se insinua que ele é o autor de todos os blogues do mundo, de todos os mails anónimos do mundo, de todo os incómodos do mundo, porque ele, um dia, é do Opus e, no outro, da maçonaria. Não sei mesmo se não será realizador de um video que ainda não vi e que é objecto de trágica risada em toda a escola. No entretanto, sempre se pode sanear efectivamente, nessa ilusória distribuição de serviço com que os que compareceram à reunião dos homens sem sono se banquetearam até à consumação dos séculos. Amen.

Agora, os catadores inquisitoriais descobriram que o subscritor deste blogue acabou de cometer um crime: anda para aí a promover uma associação privada de doutores, agregados e catedráticos de várias escolas, para nela fazer investigação científica interdisciplinar, federando homens livres do subsídio do senhor director, das viagens de turismo científico pagas pelo senhor director, das fotocópias que ele manda afixar em todo o edifício com as entrevistas que dá a jornais da respectiva região sobre as respectivas opções políticas, ou do prévio ofício autorizador do mesmo senhor director, que pretende monopolizar toda a investigação institucional, acumular duas ou três cordenações de unidades, fazer a lista que controla todos os órgãos da escola, ter, na sua directa dependência, todos os assessores técnicos e ser omnipotente na gestão dos orçamento.

Julgo que a mistura de omnisciência com omnipotência, incluindo a filiação no partido que está no poder, mas que não o elevou a secretário de estado da reforma administrativa, bem como a consultadoria da reforma da região autónoma da Madeira não são ingredientes que podem fazer a boa via. Porque não é boa via ser o dito o caminho e a verdade. E sempre deveríamo fugir do concentracionarismo, nesta encruzilhada que aconselha a unidade na diversidade e a manutenção da pluralidade de paradigmas. Continuo a não temer estar em desacordo com a maioria dos outros, para poder estar de acordo comigo mesmo e integrar aquela minoria onde não temo ser o único integrante. Quero viver como penso, sem pensar como depois irei viver. Por favor, onde fica o exílio adequado para um português que quer continuar à solta, à solta contra os fantasmas de um absolutismo, enredado nas teias da ignorância, do fanatismo e da intolerância?