a Sobre o tempo que passa: Pela liberdade de ensinar e de aprender!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.5.07

Pela liberdade de ensinar e de aprender!

Ao fim da tarde de ontem, um colega telefonava-me a comunicar que o diploma Gago já estava disponível no portal de um sindicato. Lá fui, e li a coisa, ainda em diagonal, concluindo que, depois de tantas hesitações, vai acabar a bagunça de certo conceito de autonomia, e que surgirá um novo aparelho de poder, dado que a Universidade passa a ser um c'est moi de certo absolutismo suave do senhor gestor, do senhor curador e do senhor administrador, um pouco à imagem e semelhança dos oficiais da tropa, antigos deputados desempregados, nomeados reitores da Universidade de Coimbra por governos intercalares da Primeira República, sempre tão generosa que até passou a doutor por decreto o futuro ditador que assaltou o poder em 1928, para mandar prender, logo a seguir, o seu antigo reitor.

Isto é, o anunciado tratamento de choque, depois da presente irresponsabilidade que levou a culpa a morrer solteira, talvez permita que os professores dêem aulas e que os investigadores investiguem, em vez de andarem constantemente a perder tempo em plenários prequianos a que chamam conselhos científicos, conselhos pedagógicos, senados e assembleias de representantes, esquecidos do velho lema de Hernâni Cidade, segundo o qual primeiro a aula e depois o capítulo.

O problema está no intervalo, neste espaço de transição e transacção, onde todas as golpadas andam à solta, dado que os gestores actuais podem ser chefes de uma facção de assalto às instituições e que por aí se exibem a distribuir serviço docente em ritmo de amiguismo para os próximos anos, enquanto controlam a totalidade das chamadas unidades de investigação instaladas e subsidiadas, recrutam os compadres e acumulam o controlo das entidades federadas, sem obedecerem a qualquer conceito consagrado de especialista.

Se a gagologia se transformar em lei, à boa maneira do pombalismo, é natural que, ao fim de pouco tempo, entre em vigor o habitual bom senso e que terminem os presentes atentados ao conceito clássico de universidade, essas instituições dotadas de ideia de obra e de reais manifestações de comunhão em torno das coisas que se amam, marcadas por um efectivo cumprimento das regras processuais do Estado de Direito, onde a lei não seja torcida pelo micro-autoritarismo subestatal do habitual governo dos xico-espertismo, onde alguns líderes de transição costumam ser hábeis, para serem promovidos enquanto domina o respectivo robespierrismo.

Infelizmente, neste intervalo, assisto a muitos funcionamentos das guilhotinas prequianas, onde voltam a ser protagonistas os mesmos que em 1999 me obrigaram a emitir um documento, onde podem ler-se algumas sementes de revolta. Na altura, fui um dos dois professores que recusou colaborar na ocupação violenta de instalações pertencentes a um serviço público que, por acaso, estava sob a tutela do actual ministro das universidades. Por dizer não, até fui vítima de um acto de linchamento moral promovido pelo mesmo movimento coligador da extrema direita e extrema esquerda que agora voltou ao poder:

"Estamos, neste momento, a viver a crise típica dos estados febris que se sucedem a certos vazios de poder e a sublimação das tendências recalcadas que precedem as movimentações para a conquista ou para a manutenção em certos poderes políticos, universitários ou sociais (tudo com minúscula, assinale-se).

Nem sequer a crise é apenas de ..., dado que, sobre nós, confluem, talvez freudianamente, crises de outros círculos maiores da nossa instituição universitária, de outras instituições universitárias, onde coincidimos individualmente, e, sobretudo, de muitas carreiras e correrias pessoais, que provocam um ambiente propício à pequena demagogia dos pretensos césares de multidões, com emanações de terrorzinho de salão, de assembleia, de corredores (na expressão correspondente do inglês), de cartas anónimas e de telefonemas com grunhidos animalescos, onde já funcionam as ameaças e as interferências na própria vida privada de quem não quer ser formatado pela corrente.

Não me parece que os tempos do estado febril da sociedade, sejam eles adolescentes, adultos ou serôdios, se mostrem propícios a decisões de médio e longo prazos, necessariamente harmónicas que reconheçam e dinamizem a poliarquia de paradigmas que, neste momento, conforma ....

Talvez não convenha cedermos aos tempos onde a raposa passa a usar as garras do lobo e a serpente a querer voar como as rapinas. Nem sequer vale a pena a linguagem das pombas a abater ou dos cordeiros a imolar. Não acredito nos animais falantes.

Apenas manifesto a minha dor pelos desenvolvimentos recentes do poder infraestrutural. Pelas consequências da conquista e manutenção do poder na rede institucional em que estamos inseridos, todos poderão ver, amanhã, a constelação causal e as acções reversíveis do processo em curso.

Declaro, com toda a frontalidade, em nome da normativista moral de convicção, que tanto não aceito o autoritário quem não está contra mim, está a favor de mim, como repudio activamente o totalitário quem não está a favor de mim, está contra mim. Os fins não justificam os meios...

Concordarmos com o fim de novas e melhores instalações, e até da reposição da legalidade historicamente esbulhada, não significa concordarmos com os meios usados pelo poder estudantil associativo actualmente dominante na escola. E só um pensamento binariamente linear pode, em seguida, concluir, que quem assim pensa e actua tem necessariamente de apoiar a intervenção policial na própria escola.

Num Estado de Legalidade e numa Escola de Legalidade não me parece educativo que se utilizem tanto a via revolucionária da acção directa, de quem ousa fazer justiça pelas suas próprias mãos, em nome da primordial vindicta privada sem os limites da legítima defesa, como o vanguardismo da lei de ferro da oligarquia partidocrática.

Num Estado de Direito Democrático, onde a Escola deve integrar-se, não considero justo que se ceda à pressão da nostalgia revolucionária ou dos candidatos a princeps que mimeticamente confundem o pretérito perfeito com o futuro aventureiro.

As regras da democracia representativa e pluralista não admitem excepções para o corporacionismo universitário, estudantil, burocrático ou professoral. Prefiro o sufrágio universal (do voto secreto), a liberdade livre (dos liberdadeiros) e o respeito pelas minorias (da poliarquia). Repudio a tirania das maiorias, o elitismo de salão, a ditadura da moda, o império do vazio e o ostracismo.

Já pratiquei estes princípios de cidadania quando corriam os crepúsculos autoritaristas e os consequentes ventos da moda da tradução em calão do nosso pensée 68 ou do pretenso PREC do jacobinismo leninista à portuguesa.

Continuarei a praticá-los mesmo que a degenerescência invoque sinais ideológicos contrários em nominalismo, mas iguais na metodologia, nos gestos e às vezes nos próprios figurantes da cena. E muito menos cederei se o processo for marcado pelo nihilismo.

Quem tem razão a curto prazo, pode não tê-la tanto a médio prazo como a longo prazo. E só é moda aquilo que passa de moda. Não tenho medo de estar de acordo comigo mesmo, ainda que venha a estar em desacordo com todos os outros. Tanto é mau o despotismo de um, ou de poucos, como o despotismo de todos.

Julgo saber analisar laboratorialmente os invocadores da pequena Razão de l’Etat c’est moi bem como os pretensamente lúcidos praticantes da moral de responsabilidade. Também percebo a vontade de poder dos que dizem querer salvar a cidade, apenas a pensar na paróquia, no quintal, na casa, na bolsa, na barriguinha, na inveja ou nas vaidades. E entendo o libidinoso de muitas ânsias dominandi, o dogmatismo de acaciana pacotilha e o indisfarçado desejo quanto à imposição de um paradigma único, de um pensamento único e de um politically correct tribalista. Prefiro, neste tempo dos tais homens lúcidos, ter a lucidez de ser ingénuo.

Já fui julgado pelo tribunal da oclocracia e a sentença foi publicada no dazibao. Só falta o sanbenito e a queima da efígie. Com efeito, um cobarde comunicado da pequena inquisição revolucionária veio insinuar a mais nojenta das acusações: a de que fui acolhido e tolerado nesta instituição. Não tenho tolerância para ser incluído na caderneta das criaturas toleradas!

Ninguém me pode doar aquilo a que tenho direito, por concursos públicos, provas públicas, escritos públicos, conferências públicas e aulas públicas! E nem sequer peço solidariedade àqueles colegas que se prontificarão a lavar as mãos como Pilatos. Numa escola de política não pode haver pulhítica.

Vou continuar a viver como penso, sem pensar muito em como viverei aqui. Apenas reclamo o direito de continuar a cumprir o meu dever de professor. Não venho aqui oferecer a minha cabeça na bandeja para a vindicta dos que, por outras razões, me pretendem transformar em bode expiatório. Venho assumir a coragem de ter comigo uma ampla minoria constituída por mim mesmo".

Chamei a este papel Protesto individual de um educador, em nome da liberdade académica, da liberdade de expressão e da liberdade de circulação. Porque fizeram afixar este cartaz, elaborado, palavra a palavra, por um douto e desvairado colega: Chamemo-lhe M. Este verdoso faz-se herói da escola sempre que pode, foi acolhido e integrado pelo ..., mas nem assim assimila os valores do mesmo. E tanto assim é que, aquando do Sarau Académico de Solidariedade, realizado na Sala Verde do Palácio, o M que compareceu no ... à hora marcada, conseguiu produzir a inacreditável afirmação de que não ia ao Sarau, porque não frequentava instalações invadidas e porque não acompanhava invasores!!! E quem são os invasores? – Os estudantes, os professores, os funcionários, as outras AE’s e figuras públicas que vieram dar apoio, o ... !!!! Aqui o verdoso ultrapassa-se a si mesmo e expulsa-se a si próprio, fazendo-nos um favor, da Sala Verde e do nosso convívio: Para sempre? O momento é histórico e decisivo: A coesão é indispensável e total! Seremos implacáveis com os verdosos... Os verdosos estão proíbidos de entrar na .....

Ah! A partir de então recusei todos os cargos académicos para que fui convidado pela demagogia reinante. E tive razão. Os professores que movimentaram o Terror lavaram as mãos como Pilatos. O palácio em disputa, prédio do Estado está praticamente abandonado e a cair aos pedaços. O controlador solitário da construção do novo edifício continua presidente da agora badalada Fundação D. Pedro IV. O grande deputado da direita que prometeu protecção aos estudantes já não é deputado. O ilustre ex-ocupante do salão verde, e que sonhava lá instalar a reitoria da Universidade das Forças Armadas, continua a fazer os mesmos discursos de música celestial, com muito êxito, e a avaliar-nos, mas sem que o possamos avaliar. Os estudantes ainda foram processados pelos serviços do então e actual ministro Gago. E um deles anda por aí como assessor parlamentar de um partido de direita, a bater cunhas e palmas aos novos senhores. Por isso, apoio o bom senso das linhas gerais do diploma Gago. E conservo os arquivos da perfídia.