a Sobre o tempo que passa: Antes da temida judicialização da política, vigora a politização da justiça

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.5.07

Antes da temida judicialização da política, vigora a politização da justiça

Enquanto Marques Mendes, em vez de repetir o gesto de Jorge Sampaio, tirou do perfil que tinha cabeça o nome do magistrado Negrão, e Sócrates lançou Costa, assistimos ao rapa, tira, deixa, põe dos armários de uma classe política cada vez mais rarificada, dado que se foi buscar um ministro ao tribunal constitucional e se pôs, como candidato autárquico, um outro juiz, em regime de comissão de serviço parlamentar, assim se demonstrando que, antes da temida judicialização da política, vigora a politização da justiça, como transparece da circunstância de entrarem no grande palco partidocrático tanto um ex-director do SIS como um ex-director da PJ.

No intervalo, a decadência continua, como o retrato que ontem aqui deixei sobre a avaliação da função pública, ou a pelingrafia que aqui poderia deixar se divulgasse um video que circula entre telemóveis de alunos de uma determinada unidade orgânica de um establecimento de ensino superior público, com cenas ebriamente chocantes de um ilustre membro do quadro docente e dirigente, assim se demonstrando como vivemos no habitual regime crepuscular daquilo a que pleonasticamente chamamos brandos costumes, que, entre nós, tendem a durar décadas e décadas de cobardia cinzentona, com magnicídios à mistura. A monarquia liberal morreu em 1890, mas durou até 1910. A República acabou logo em 1915 e o Estado Novo perdeu os mínimos de legitimidade, até ditatorial, em 1958, deixou assassinar o líder da oposição em 1965, mas só caiu em 1974, derrubado pela máquina que o tinha levado ao poder.

Não vou ter, hoje, tempo para contar pormenores. Tenho aula de teoria política daqui a um pedaço de minutos. Farei, logo a seguir, uma intervenção formal sobre a globalização económica e, ao mesmo tempo, e de propósito coincidente, promovido pelos convocantes, haverá mais um desses multitudinários conselhos ditos científicos, onde um bando de náufragos, ameaçados pelo decretino dito reformista, se entretêm a distribuir serviço para os próximos anos, com três ou quatro grandes e pequenos chefes, que acumulam cerca de um quarto da "coordenação" das cadeiras e cadeirinhas da instituição, a exibir o freudiano poder pelo poder, numa manifestação de certo saudosismo serôdio que confirma aquelas perspectivas freudianas, segundo as quais alguns professores não reparam que são sempre avôs de si mesmos.

Por mim, irei apresentar para memória futura, de futuras avaliações independentes e cientificamente fundamentadas, todo o conteúdo da preparação de uma distribuição de serviço frustrada, a fim de saudar a chouriçada reinante neste pequeno regresso aos saneamentos do miguelismo, do PREC e do salazarentismo, em nome da luta de invejas e da eterna vaidade, nesta mistura de vindicta com requintes de sadismo. Continuo a querer viver como penso, sem pensar como vivo e julgo não precisar de uma fileira de dependentes e de votantes, em regime neofeudal, para ser professor público. Sempre há anúncios de jornal, onde posso pedir emprego, e a internet pode servir para dar as minhas aulas. Não tenho medo e já não preciso de ser promovido.