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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.5.07

O velho que queria passar o resto dos dias na cadeia...




















No primeiro julgamento em que participei, quando era estagiário de advocacia, um desses sábios julgadores tinha que decidir se mandava para a cadeia um ex-recluso qua acabava de furtar uma pele de carneiro. O senhor dr. juiz, analisando a biografia do velhote, fez as contas e reparou que o dito cujo passara mais de uma dezena de anos atrás das grades apenas por furtos que, somados em valores, não atingiam cinco contos de reis. Assim, com alguns pretextos legalíssimos, decidiu mandá-lo em paz e para a rua. Só que aconteceu o imprevisto, pois em plena leitura da sentença, o velho furta-peles teve uma crise de choro e clamou desesperadamente: "mande-me para a cadeira, senhor doutor, mande-me para a cadeia, os guardas são a minha família, tratam-me tão bem e tenho medo de viver lá fora, sozinho e sem saúde, com esta idade..."

Lembro-me sempre desta história, não por causa da bagatela que aparece na primeira página do jornal de hoje, que reproduzo, não por causa da leviatânica coima informática de que fui objecto, mas por causa do país onde vivo, onde todos gostamos mais de estar presos na burocracia do que sermos homens livres
do emprego por conta de outrem, como rezam as estatísticas. Ontem, Carmona Rodrigues, ao livrar-se das teias da obediência partidocrática, baralhou todos os cenários dos comentários enlatados e das golpadas de corredor dos vários candidatos à corrida, engasgando particularmente o líder do PSD que não conseguiu aproveitar o prévio tempo de antena de Judite de Sousa para se encenar como o grande moralista dos princípios. E as palmas de revolta que recebeu dos seus funcionários camarários podem até levá-lo a pôr a hipótese de uma candidatura independente, em diálogo directo com os lisboetas que não são de Fafe nem vivem em Caxias.

Por isso, prefiro saudar a eficácia da auditoria do Tribunal de Contas sobre as relações entre um hospital e uma empresa de parques de estacionamento, a mesma que transformou Lisboa numa feira popular à moda do Minho. A única solução para estas sucessivas crises que nos ameaçam, de Setúbal a Lisboa, de Salvaterra de Magos a Oeiras, de Felgueiras a Vila Nova da Sardinha, com passagem por Gondomar, está em possuirmos instituições que sejam expeditas e registem as irregularidades flagrantes, punindo-as com tanta eficácia informática, quanto o atraso, em minutos, na entrega da declaração de IRS, mas desde que inventemos um tecto em numerário, para bagatelas processuais, face à crise da morosidade da chamada administração da justiça em nome do povo.