a Sobre o tempo que passa: E que tal o antes quebrar que torcer?

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.3.08

E que tal o antes quebrar que torcer?


Ontem tive honroso convite para visitar um museu zoológico das engenharias do poder, onde vi uma múmia, tipo Ramiro Valadão, a exercer propagandismo sobre o situacionismo de esquerda, tentando imitar os elogios serôdios de Luís Delgado a Santana Lopes, no tempo da governação do mesmo. Reparei como um produto do velho estalinismo cunhalista conseguiu aliar-se a interventivos militantes do PSD e do PS, só porque, dizem, querem abafar uma manobra promovida por maçons e militantes do "Opus Dei".


Ontem, vi um líder da oposição, do partido de Sá Carneiro e de Snu Abecasis, criticar uma intenção PS sobre a lei do divórcio, só porque sabia que os jornais de hoje iam trazer que "divórcio abre Igreja e PS". Ontem, vi inúmeras confirmações sobre o vício generalizado que nos está a matar: a cobardia colectiva deste tacticismo, que os políticos vencedores difundiram por toda a sociedade.


Hoje confirmo que este não é o país de Sá de Miranda, do antes quebrar que torcer. O poder tanto pode fazer um discurso contra Talleyrand, num dia, como transformar o dito num paladino da pátria, só para tentar lixar o gajo que pretende abater. O poder vende-se por um convite para uma viagem transatlântica, por um discurso de graxa, por uma ilusão de vindicta no jogo politiqueiro do "divide et impera", gerindo a mesa do orçamento, para convidar os opositores de ontem a comensais da boda de hoje.


Na visita que fiz ao jardim zoológico, foi interessante ver restos da fauna pré-humanista, com torquemadas e bufaria, a discursarem sobre mentiras, para não contarem histórias reais de faca e alguidar que servem de pano de fundo para a movimentação dos que querem açambarcar os restos do banquete. Aliás, depois desta hiper-informação sobre os incidentes da escola do Porto, raros foram os que conseguiram compreender o fundo da questão: o nosso sistema educativo, filho do livro único pombalino, pretende continuar a criar pensamentos únicos e a punir todos os que se manifestam pela irreverência excêntrica do pensar pela própria cabeça. Não interiorizaram as lições de Sócrates e de Platão.


O nosso sistema educativo não sabe o essencial daquela pedagogia oriunda de Spencer e do pragramatismo de Dewey, segundo a qual vale a pena cultivar o universal pela diferença e promover a autonomia dos indivíduos, com respeito pelos grupos nascidos dessa autonomia. Todos os instalados do educacionês, do universitarês e do investigacionês, assentes na "dedução cronológica e analítica" e no "yes, minister", ou "yes, director", são bem mais atarracados do que os cultivadores da velha "ratio studiorum" que eu não defendo, dado que prefiro continuar a relembrar tanto António Sérgio como Leonardo Coimbra e aquele humanismo de Sá de Miranda, sem o qual não pode continuar Portugal. A não ser que nos queiram transformar numa sociedade de muitas "cortes de aldeia".