a Sobre o tempo que passa: Este gajo é um anarquista e ainda diz que é de direita

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.3.08

Este gajo é um anarquista e ainda diz que é de direita


Depois de muitos prós e contras sobre os prós e contras, que aqui naturalmente não transcrevo, porque, de narciso, se tenho algo, não é o espelho, apenas posso concluir que, nesta encruzilhada, continuamos sem lei nem rei. Por isso, registo, graças ao Estado Sentido, fiquei a saber que o meu querido Medeiros Ferreira me qualificou desta forma: "este gajo é um anarquista e ainda diz que é de direita". Ao contrário do que alguns, que não me conhecem no quotidiano, podem crer, adorei este carinho. E digo-o sem ironia. Que saudades, eu tenho da longa viagem que fizemos ao Brasil, para uma série de conferências sobre a memória dos impérios, em que houve dueto de unidade na diversidade, num profundo amor à pátria e à liberdade e, no fim da qual, me converti em admirador sincero deste ex-ministro dos estrangeiros.

Apenas me apetece acrescentar, como Salvador Dali, "anarquista, pero monarquico". Isto é, toda a liberdade para o indivíduo e para a sociedade civil se, na cúpula, existir a procura da chave da abóbada. Quanto a essa da direita e da esquerda, eu que gosto de fingir que estou naquela esquerda da direita que mais se afasta do centrão, prefiro o centro excêntrico dos radicais liberais e, no rescaldo do debate, apenas me apetece continuar a dizer, muito aristotelicamente, que a poesia é mais verdadeira do que a história...


Infelizmente, a guerra civil historiográfica e as suas sucessivas literaturas de justificação ainda mantêm um certo clima de guerrilha fria ideológica que não nos permite convergir em divergência, para atingirmos a necessária emergência... Como isto dava muito pano para outras tantas mangas, fica esta pequena anotação e uma fotografia com que quero provocar o meu colega politólogo com quem estive de costas voltadas, para podermos continuar unir o que anda disperso...


Já agora, concluo, aconteceram-me duas coisas que me encheram as medidas do orgulho académica. Um telefonema de um velho colega, retirado há quase uma década, o Políbio Valente de Almeida, e uma voz vinda do Brasil, outro mestre, António Paim. Daí que, sentado no meu gabinete, tenha verbalizado por escrito o que, dias antes tinha dito ao meu reitor e que na véspera tinha dito de viva voz a todos os estudantes, "a aula é mais importante do que o capítulo", o poder passa, a autoridade fica. Isto é, despedi-me de uma função que exercia, mas que nunca invoquei ter, nem aqui, neste blogue. Agora estou mais livre, porque, como dizia Pessoa, também eu faço parte daqueles portugueses que ficaram desempregados depois da descoberta da Índia.


Não vou revelar pormenores de um texto em que começo por dizer que "há cartas que têm de ser manuscritas, mesmo quando são oficiais, porque também estas não podem perder a alma" e que há actos que não são de protesto, mas de revolta, especialmente quando "cheguei à conclusão que não consigo continuar a viver institucionalmente como academicamente penso. E que, não podendo mudar as regras e as "policies" que me provocam objecção de consciência, prefiro continuar a missão de viver como penso sem pensar como vivo". Logo, concluo que "já não tenho disponibilidade para agravar o problema e já não creio que possa fazer parte da solução". Os pormenores são de cozinha doméstica, pouco adeuados à presente necessidade de celestial, porque quanto mais os pés se perdem na lama, mas apetece erguer os olhos para as estrelas, para que a metafísica dê alente a quem quer aquele mito que traz, para a terra de todos os dias, a força subversiva da justiça.



PS: A imagem fui roubá-la ao computador do meu filho Francisco Miguel... E nada explica sobre os meandros da relação da Associação Portuguesa de Ciência Política, de que fui um dos fundadores, com outro meu colega, também fundador, membro do grande conselho ducal e monárquico. Um dia contarei. O actual presidente, na foto, não foi fundador e, ao contrário do que pode parecer, é um grande companheiro. Os vermes são outros. São republicanos às segundas, monárquicos às terças, católicos às quartas, fingidos maçons às quintas, chineses às sextas, portugueses aos sábados, situacionistas, aos domingos e sempre. Daí que, nele e neles, trate de saudar os vencedores, os tais que não sabem que vencer é ser vencido.