a Sobre o tempo que passa: Rezar é pensar no sentido da vida

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.3.08

Rezar é pensar no sentido da vida



"O mundo contém uma problemática, a que chamamos o seu sentido. Ora, esse sentido não se encontra no mundo, mas fora dele. Ao sentido da vida, ou seja, ao sentido do mundo, poderemos chamar-lhe Deus. Rezar é pensar no sentido da vida" (Wittgenstein). Sim! Éramos às dezenas num desses quaisquer museus com longas e duráveis pedras de inaugurados por suas excelências o presidente, o primeiro, o ministro e o autarca, por patacas de um qualquer mecenas, só para terem o nome desafiando o fugaz do financiamento partidário ou os tostões dos caciques das redondezas e dos dirigentes da futebolítica.
Éramos às dezenas, num qualquer museu, diante de restos do passado que os actuais seleccionadores do bom gosto deceretaram como arte consagrada. Leio a frase de Wittgenstein: "O mundo contém uma problemática, a que chamamos o seu sentido. Ora, esse sentido não se encontra no mundo, mas fora dele. Ao sentido da vida, ou seja, ao sentido do mundo, poderemos chamar-lhe Deus. Rezar é pensar no sentido da vida". Releio.
Na vitrina da sala ao lado, uma página inteira do jornal português de maior circulação, na década de sessenta do século XX. Em duas colunas, perdidas na secção de sociedade, noticia-se que o agora artista consagrado foi notícia em Paris, porque, numa exposição fez uma adequada instalação de uma cadeira e de um caixote para a recolha do lixo, aquilo que os coimbrinhas chamavam "jacob", porque um tal autarca, doutorzinho com este nome, o tornou obrigatório e em metal pesado.
Nesse mesmo jornal, é notícia com direito a foto, o facto de estivadores alfacinhas decidirem não descarregar um navio sueco. Estocolmo era considerada inimiga de Portugal, pelo apoio dado aos terroristas. Mais abaixo, quase escondido, um comunicado das forças armadas dava a notícia da morte de um soldado, algures no Niassa. Vinha o nome dele e dos pais. "O mundo contém uma problemática, a que chamamos o seu sentido. Ora, esse sentido não se encontra no mundo, mas fora dele. Ao sentido da vida, ou seja, ao sentido do mundo, poderemos chamar-lhe Deus. Rezar é pensar no sentido da vida".
A história dos vencedores continua a vencer, tanto como os seleccionadores do gosto, nomeados pelos mecenas. Os mesmos que também financiam os autarcas e os partidos políticos, donde, com sorte, pode sair um primeiro-ministro ou um ministro. Os mesmos a quem poderemos conceder o direito a placa de pedra. O soldado morto não passa de anónimo, das malhas que o império tece. Eles, os que financiam, passaram da refinação da cana e do pitrol para os grandes investimentos da integração europeia, onde, por enquanto, não há malhas que o império teça, a não ser nas chatices do Iraque e do Kosovo. "Make war, not love".
O jornal de anteontem trazia a confissão do piloto alemão que abateu o caça de combate tricolor onde seguia Antoine Saint-Exupéry. E um artigo sobre a tugofobia em Moçambique. E outro sobre um assunto que ainda não comentei, o financiamento em mil contos de um candidato a autarca em Loures, por um ex-ministro das finanças do CDS, com quem também já almocei, mas em grupo alargado, sem ser para lhe meter cunha. Apenas o achei um gajo porreiro. "O mundo contém uma problemática, a que chamamos o seu sentido. Ora, esse sentido não se encontra no mundo, mas fora dele. Ao sentido da vida, ou seja, ao sentido do mundo, poderemos chamar-lhe Deus. Rezar é pensar no sentido da vida".